O título sobre machismo é uma paráfrase de Mário Sergio Cortela, retirada de uma de suas palestras, que demonstra grande lucidez e cabe muito bem na coluna de hoje. Eu me lembro que, na minha casa, a minha mãe era machista e que entre outras injustiças determinou que só as meninas podiam fazer a limpeza da casa, enquanto que para os meninos eram reservados os bifes maiores.

Outro dia ouvi uma música em que a letra falava: “Ajoelha e chora quanto mais eu passo o laço muito mais ela me adora”. Na infância escutava canções que diziam: “Se te agarro com outro te mato, te mando algumas flores e depois escapo”. E na adolescência ouvia que: “Homem que é homem não chora”, ou seja, o machismo sempre esteve presente e nem sempre estamos atentos ou preparados para ele.

Então, com certeza, mesmo sem querer ou saber, em algum momento eu também já tive alguma conduta machista, ou seja, todos nós somos sucetíveis a essa construção simbólica do “macho” que é reproduzido o tempo todo em nossa cultura. A cientista social australiana Raewyn Connel, em 1982 criou o conceito de masculinidade hegemônica que segundo a autora é entendido como padrão de práticas que permitem a continuidade do domínio dos homens sobre as mulheres.

Esse modelo de “masculinidade hegemônica” que defende valores como agressividade e força está no poder e contamina nossa sociedade há muito tempo, o que é um enorme entrave para termos uma sociedade de igualdade, onde não haja suposições de que esse ser é superior àquele e vice-versa.

Porque, sim, o machismo é péssimo para mulher, ruim para os homens e terrível para a sociedade. E não vamos falar nesse momento, da relação do machismo com o elevado número de suicídio masculino, nem do absurdo número de feminicídio.

O comercial da Always retrata, entre outras coisas, que as crianças, quanto mais jovens, menos convenções machistas elas têm. Eu, como mãe de dois filhos homens, sempre percebi como é difícil para eles serem eles mesmos, já os vi reprimindo suas emoções quando na presença de coleguinhas, existe nos meninos uma angústia de ter que corresponder a todas as expectativas impostas pelos padrões e modelos rígidos e predefinidos do machismo.

As maiores vítimas do machismo são, sem dúvida, as mulheres, mas eu penso que os homens também não querem passar pela “máquina de formatar meninos” e serem, entre outras coisas, castrados de afetos e que, talvez, esteja na hora de entendermos que a vida de todo mundo seria melhor sem o machismo.

Só sei que as crianças não nascem machistas, nem as minhas e nem as de ninguém. Lembro-me de sentir capaz e forte para algumas brincadeiras e tanto meus pais quanto meus irmãos me desencorajavam de participar pelo simples fato de eu ser menina. Eu perguntava, mas porque não posso, se eu corro mais que ele? “Corre nada, você é menina!” Mas porque só eu tenho que lavar banheiro e meu irmão chega e muda o canal da TV sem me perguntar? Ora… porque você é menina.

Decidi que meus filhos nunca dariam esse tipo de resposta para quem quer seja e que nunca ouviriam da minha boca absurdos como: homem pode mulher não, isso é coisa de menininha, menino não chora, guarda suas cabritas que meus bodes estão soltos, mulher pra casar e mulher pra cruzar, homem não pode brochar e por aí vai.

E perceber que existem discursos como este da Always onde as marcas se posicionam, me deixa feliz, interesses econômicos à parte, esse tipo de mensagem nos auxilia nessa tentativa de desconstrução dos estereótipos dos gêneros e, de alguma forma, mostram algum sinal de transformação social em direção a liberdade, onde todos temos iguais chances de sermos quem somos em nossa essência.

É fundamental transformar o imaginário que temos sobre os gêneros e assim, mesmo entendendo que se trata de um processo demorado, talvez seja possível conceder às crianças e aos adultos o direito de chorar quando sentir dor, de falhar, de se recusar a entrar em uma situação sem ser taxado ou ridicularizado, de parar de ter que provar o tempo todo alguma coisa por conta do gênero, de se sentir coagido a fazer o que não concorda.

Que prisão! Quantos prejuízos essas convenções infringem sobre nós humanos? Quão melhor e mais feliz poderia ser a nossa sociedade sem o machismo? Não sei, mas me pergunto.

llustração: Tyler Spangler

3 Shares:
6 comentários
  1. Excelente reflexão!! O machismo está tão imbricado em nossa cultura, que muitas vezes o reproduzimos e não percebemos. Precisamos estar atentas, para que essa realidade seja mudada para as futuras gerações!

    1. Sensacional!!! Minha história de infância e adolescência, foi muito parecida com a sua narrativa! Até para ganhar uma bicicleta dos pais, o homens tinham prioridade…cansei de pegar a do meu irmão, às escondidas, me esfolar toda para aprender, ATÉ conseguir provar que eu merecia TAMBÉM. O machismo é algo grotesco. Somos tão capazes quanto os homens…mas muitas barreiras, AINda existem, para Serem ULTRAPASSADAS. Parabéns, Geórgia! Obrigada pela sensibilidade!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar: