Esse texto foi escrito em 2020. Como todos sabemos, um ano desafiador; ano que me fez repensar e refletir sobre todos os âmbitos da minha vida, inclusive, sobre o ato aparentemente banal de vestir, o que me possibilitou vivenciar uma experiência enriquecedora em certos aspectos, dentre estes, o da imersão voltada ao meu próprio acervo.
Como entusiasta da moda sustentável e do consumo responsável, em linhas gerais, de uma moda com propósito, tenho pensado cada vez mais em construir o meu vestir pautado no autoconhecimento, o que me proporciona um paulatino abandono de práticas consumistas e uma crescente autonomia num processo que vai sendo alicerçado, cada vez mais, pelas minhas próprias mãos.
É assim que acredito ser possível vestir-se com autenticidade; prática que, com efeito, se torna esclarecedora à proporção que, como em um contínuo aprendizado, me volto àquilo que ando pensando desde este último ano, de modo que os convido à seguinte leitura.
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“Colocar as pessoas nas caixinhas limitantes da moda é adoecedor. Anula o que elas têm de mais importante: a singularidade.”
Há um modo de se conduzir e de caminhar que se revela em cada peça de roupa. Entretanto, há certos padrões que se impõem e tendem a modificar a singularidade desse caminho. Na contramão dessa moda que aprisiona e restringe as possibilidades da descoberta de si mesmo, e que se convertem numa tirania de tendências impessoais, propugno (ao menos para mim mesma) uma moda mais libertadora, cujo vestir seja sinônimo de se desnudar.
Alguém astutamente poderia se perguntar: Ora, pode o ato de vestir se reconciliar com o de se desnudar? E eu diria: Creio que sim, no instante em que, aceitando o corpo que se tem; com as fragilidades mais humanas, a roupa não apenas nos encobre com suas camadas, mas também nos revela.
Desse modo, vestir e se desnudar são como que complementos. Tomar consciência dessa particularidade do ato de vestir, sob o qual revelamos parcelas do que somos naquilo que vestimos, já se torna, pois, a medida libertadora da moda.
Portanto, contrariando esses caminhos habituais e convencionais que a moda comercial tende a vender (ou seria: encaixotar?), dimensiono esse fantástico fenômeno social como um contínuo desnudamento que, se analisado com relativo cuidado, nos faz compreender aquilo que os indivíduos denunciam através de suas roupas; aquilo que salta aos olhos.
A moda é um fenômeno social excepcional porque ao redor de seus caminhos comerciais; das pegadas imperativas do mercado; das marcas inconscientes das tendências, gravitam tanto aquilo que os indivíduos gostariam de ser, como de ocultar.
É, portanto, uma luta entre o claro e o escuro; entre a essência e a aparência, na qual cada peça de roupa (por maior ou menor que seja) é um registro visual daquilo que, se revelando, também se oculta. Depositamos muitos desejos (por vezes, até desconhecidos) sobre cada roupa.
Despertar o olhar para esse fenômeno, absorvendo-o com todas as suas minúcias e fantasias, é também um modo silencioso de se compreender, afinal (de maneira breve, e não menos instigante) o que revelamos de nós mesmos naquilo que vestimos?
Respondendo para mim mesma tal questão pude concluir que, ultimamente, o que tem feito sentido não é sequer a roupa (com seu encanto estético), mas sim a contínua descoberta para um ato que, aparentemente irrelevante, é capaz de dizer muito acerca de quem sou.
Desnudo-me à proporção que me (in)visto. Desnuda-se aquele que se descobre em seu próprio modo de ser, ainda que isso custe caminhar e contrariar a marcha hegemônica das tendências, afinal como diria Henry Thoreau: “Se um homem marcha com um passo diferente dos seus companheiros, é porque ouve outro tambor.”
Fotos: @iconaccidental
1 comentário
Flávia,
Texto impecável!
“Colocar as pessoas nas caixinhas limitantes da moda é adoecedor. Anula o que elas têm de mais importante: a singularidade.” O sociólogo Simmel fala exatamente disso: a moda satisfaz uma necessidade de distinção, isto é, uma tendência natural à diferenciação, ao destaque.
ps: Levo essa frase do Henry Thoreu para tudo na minha vida. Amo!