Quem me vê no dia a dia ou me segue no meu Instagram @caxfigaro deve imaginar que minha paixão por óculos é antiga e que sempre ousei nos formatos e cores das peças. 

Ledo engano! Minha relação com os óculos não teve um início feliz. 

Adolescente de 14 anos, minha preocupação eram meus cabelos longos, cuidados com esmero e lisos com escovas preservadas com toucas noturnas. Quem teve cabelos ondulados nos anos 80 sabe do que estou falando! Mas outra preocupação rondava meu ser: comecei a ter dificuldades para ler o que o professor escrevia na lousa. Depois, não lia cartazes e nem placas de trânsito. Eu estava míope e precisava usar óculos de forma permanente. A saída para contornar esse problema foram as abençoadas lentes de contato,  usadas por mim até 2010. 

Porém, quero retornar aos anos iniciais como usuária de óculos. Foram terríveis! Eu odiava tanto usar óculos que eles eram vistos apenas pelo meus familiares. Nunca fui de óculos para a escola. Evitava ao máximo, mas às vezes eu acabava aparecendo com minha armação feia e sem graça. Nenhum registro fotográfico de óculos, pois eles eram retirados e escondidos com as mãos para trás. E quando alguma escapava, eu odiava me ver. Não me reconhecia. 

Como dizia o cantor dos Paralamas do Sucesso, Herbert Viana, “eu não nasci de óculos , eu não era assim!”. Portanto, é claro que também pairava a questão dos óculos como um belo entrave em qualquer paquera. Jamais olhei para um rapaz  com meus  óculos. Porém, nunca tive dificuldades de namorar um garoto que usasse óculos.  Todavia, minha insegurança era tanta que eu  partia do princípio que a coisa não ia rolar! Então, essa órtese aumentava minha timidez e atrapalhava minha vida.

Claro, naquela época não havia a multiplicidade de armações diferentes e estilosas que temos hoje. Havia as de acetato e as de metal. As pretas, transparentes, tartaruga, além das prateadas ou douradas. Formatos? Redondas, retangulares, quadradas ou com aros no estilo aviador.

As armações coloridas começaram a ganhar destaque na metade do anos 80  quando o movimento New Wave coloriu  roupas , tênis, cabelos , acessórios e também os óculos com estampas quadriculadas e abusados no neon. Mas a maioria dos óculos New Wave eram solares. Receituários nem pensar. Apesar de certos modismos, as óticas continuavam tradicionais. Com o Plano Collor e a abertura das importações, o cenário ótico mudou. As marcas de luxo começaram a dar o ar da graça, mas ainda privilegiando as armações solares no quesito formato diferenciado.

Mas voltando para  minha história, eu era daquelas que comprava uma armação para durar anos. Trocava se a peça quebrava ou quando eu não aguentava mais me olhar com a mesma cara todos os dias! Além disso, como já disse, as óticas não vendiam modelos atraentes.

Comecei a usar óculos com mais frequência quando entrei na Faculdade de Psicologia. Talvez por minha turma ser predominantemente de mulheres, me sentia mais a vontade para ficar de óculos. Quando me formei, comecei a trabalhar na Faculdade de Medicina da USP. Recém saída da faculdade e trabalhando em um ambiente universitário, me vestia de forma mais casual, sempre com tênis, jeans, camiseta e já não me importava de usar óculos. 

Fui deixando de me importar em usar óculos em público, mas ainda conservava a ideia de ter apenas uma armação.

Até que no início dos anos 2000 minha relação com os óculos começou a mudar. Minha afilhada começou a namorar um rapaz cuja família tinha ótica há muitos anos e eles começaram a importar algumas marcas chamadas de independentes, justamente por não fazerem parte do universo das marcas de luxo. Eram marcas que priorizavam o design, com formatos arrojados, acetatos com estampas ou com mix de cores  muito bonitas. Aos poucos fui me dando conta de que havia armações muito legais e diferentes daquelas que meus olhos estavam acostumados a rejeitar.

Mas eu ainda tinha o ranço de considerar uma armação como peça única e sem a necessidade de ser algo tão moderno ou extravagante. Continuava tímida nas minhas escolhas e queria peças que fossem quase invisíveis, sem contornos nos aros. Apenas as hastes e a ponte.   

Porém, sempre que chegava uma importação, o namorado da minha afilhada me mostrava as “tendências” e novos modelos  que estavam começando a ser vendidos nas óticas aqui no Brasil. Ainda olhava as peças com certo estranhamento, achando que jamais usaria um modelo com aqueles formatos.

Em 2010, fui madrinha de casamento de minha afilhada com esse rapaz, e foi a última festa que usei lentes de contato. Eu já estava tendo problemas de acúmulo de proteína nos olhos e as lentes embaçavam o tempo todo. O que antes era a solução do meu problema visual, passou a ser um estorvo.

Decidi que abandonaria as lentes para sempre. Em 2013, em uma viagem à Itália, comprei uma armação com formato Cateye (gatinho), com um acetato tartaruga muito bonito, da cor dos meus cabelos, que já estavam com luzes. Eu já havia casado e com um filho de 12 anos. Já tinha feito duas formações em psicanálise, meu doutorado em psicologia clínica e uma experiência de atendimento institucional à famílias com histórico de violência doméstica, abuso sexual e desaparecimento de crianças e adolescentes

Portanto, já não era mais aquela menina tímida, recém formada , insegura diante do que a vida me apresentava. Claro que minha análise pessoal e meus anos de clínica particular foram sendo os nortes emocionais para minhas escolhas. Então, comprar uma armação totalmente diferente das que eu usava , foi um grande passo. Mas, confesso, que mesmo assim, ainda pensava em qual seria a reação dos meus colegas no trabalho e amigos sobre minha escolha ousada.

Para minha surpresa, todos adoraram e elogiaram. Comecei a perceber que aquela armação chamava atenção das pessoas que me perguntavam onde eu as tinha comprado.Fui me dando conta que os óculos exerciam agora uma atração e não um afastamento como eu achava na adolescência.

Paralelamente, também fui mudando as escolhas dos meus acessórios . Das jóias fininhas ou clássicas, passei a querer anéis de ouro mais grossos e modernos,  e assim ocorreu com as semi joias . O tênis e a camiseta no ambiente universitário foram dando lugar para as calças de alfaiataria, blazers, camisas, saltos . Fui me tornando uma mulher diferente a partir dos 40 anos.

Em 2015 comecei a comprar armações diferentes por sugestão do, agora ,marido de minha afilhada, ao viajar para fora.  Comecei a investir em acetatos coloridos. Também deixei de lado os acessórios mais fininhos e comecei a usar colares mais vistosos, maiores, de marcas pouco conhecidas e com materiais diferentes.

Assim, fui aprendendo , naturalmente, a harmonizar meus acessórios com meus óculos. Já tinha mais de cinco  pares de cores e formatos diferentes. E desejava ter mais. Em todas as viagens posteriores eu separava um dia para visitar óticas que vendiam marcas que ainda não tinham aqui no Brasil. Eu já tinha um perfil privado no Instagram e através dele comecei a pesquisar as óticas  nas quais compraria meus futuros óculos. Essa era a minha diversão e onde eu investia meu dinheiro. 

Passei a ser cada vez mais notada com as peças que eu comprava e fui me certificando de que elas facilitavam o contato com as pessoas. No elevador, em uma loja, no trabalho , com meus pacientes, nas instituições de psicanálise, sempre havia alguém que falava dos meus óculos e acessórios. Com elogios muito legais e perguntas de onde eu os havia comprado.

Meu estilo para se vestir também mudou. Das peças clássicas de alfaiataria e salto alto, comecei a usar roupas mais estruturadas, com estampas geométricas, design mais contemporâneo, mas urbano, e sempre escolhendo marcas brasileiras que tivessem um diferencial. Então, os óculos foram o disparador para eu mudar tudo! 

Não queria mais nada massificado, nem óculos, nem acessórios , nem roupas, nem sapatos. Fui criando meu estilo de uma forma muito pessoal e aprendendo com outras mulheres que ousavam nas escolhas. 

Em 2018 minha chefe na FMUSP se aposentou e o projeto que estávamos fazendo foi aos poucos sendo extinto.Eu estava profundamente infeliz , sem perspectivas  quando numa conversa casual com uma outra sobrinha, essa me disse: “Cax, porque você não faz um Instagram de óculos? Fotografa a sua coleção e vai postando..”  Olhei para ela com espanto e disse que eu não tinha ideia do que ela estava falando. Essa sobrinha já tinha dois perfis e um séquito de seguidores. Me sugeriu um APP para recortar as fotos e só! 

Dei o nome para meu perfil de óculos de Caxspecs. Cax era meu apelido na família e specs, diminutivo de spectacles, óculos em inglês. 

Comecei a tirar as fotos dos meus óculos e a pedir para minhas amigas amantes de óculos, que me enviassem fotos de suas peças. Percebi que as pessoas iam dando likes e que o Instagram me sugeria perfis de marcas de óculos. Fui pesquisando e descobrindo um novo mundo, literalmente. Marcas incríveis, modelos maravilhosos, nada do universo do luxo. Tudo diferente. Resolvi colocar uma pequena bandeira ao lado da marca que eu escolhia para repostar a foto dos óculos . Fui fazendo uma curadoria de marcas independentes, um Pinterst no Instagram. Foi uma decisão egoísta, pois queria fazer uma “álbum de postagens de óculos” para mim. Aqueles eram os meus objetos de desejo.

Mas também comecei a pensar com a cabeça de uma usuária de óculos e queria ajudar outras mulheres a encontrar peças diferentes. Sai do meu egoísmo para o compartilhar a informação. 

Nessas pesquisas, descobri a figura do “Lunetier” , ou seja, a pessoa que faz óculos sob medida, óculos artesanais. Na Europa há vários profissionais. Mas aqui no Brasil só encontrei o Ricardo Lorente. Comecei a segui-lo e vice versa . Até que em uma Feira do setor ótico, aqui em SP, nos conhecemos pessoalmente. Lhe falei sobre meu desejo em fazer uma peça sob medida e que eu havia visto um modelo dos anos 50 , com acetato amarelo e hastes pretas. Quando ele me mostrou o protótipo eu detestei! Ficou muito feio no meu rosto. E então , fizemos um modelo a quatro mãos. Mudei a cor do acetato para verde oliva.

Ao postar a minha foto com meus óculos verde oliva, minha vida mudou. Milhares de seguidores queriam saber qual era aquela marca, onde eu tinha comprado. Eu expliquei a história do meu sob medida, mas as perguntas continuaram. Até que o Ricardo me perguntou se eu consentiria em dar o design dos meus óculos para ele fazer três peças de três cores diferentes. E que eu ganharia uma porcentagem nas vendas. Achei a ideia fantástica e disse que poderíamos ir além: fazer um certificado de exclusividade para cada peça e não repetir as cores.

Mas a continuação dessa história fica para o mês que vem!

PS: Claudia Figaro tem um perfil bacanérrimo no Instagram, o @caxfigaro, onde mostra suas criações maravilhosas feitas em conjunto com Ricardo Lorente.

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