Eu sempre revisitei o meu passado através das músicas, misto de bússola com termômetro e confesso que quando morre um artista gigante, há uma fusão de lágrimas e sorrisos enquanto grudo meu ouvido no fone. E juro, posso contar minha vida não apenas  pelos anos vividos mas pelas canções de Rita Lee.

A primeira passada de mão no peito , no carro envenenado do carinha mais velho do Leme, tocava “Papai me empresta o carro”. Quando era popular na escola e fazia os hormônios dos meninos incendiarem, era “Mania de Você” até furar o LP. Dei muitas vezes mas a trepada inicial foi bem chocha , num motel da Ronald de Carvalho em Copacabana.

Curtia muito o Miguel e gozei junto com “ Caso sério”. Veio a faculdade, o baseado, a ida pra Europa, as festinhas lisérgicas, os muitos caras, algumas meninas e eu lá, só no radinho de pilha.

Rita me ajudou a viver. Já era de excessos então ela me permitiu toda a potência do sentir. E era uma mulher que ralou. Seis décadas trampando.

Saia Justa, MTV, Mutantes, livros infantis, sua autobiografia, mais de 55 milhões de discos vendidos, inúmeros shows e zilhões de programas de televisão. Podia parecer doida mas construiu uma carreira sólida, financeiramente confortável e que deu imensos frutos.

Os filhos, o marido e quiçá os netos beberam e ainda beberão desse talento inesgotável. Hoje, cabeça e pentelhos brancos, quilos a mais, retalhada e remendada pelas porradas da vida, só admiro a coragem da Rita velha.

Bruxa, feiticeira, avó sábia ela deu show de lucidez sobre o fim da vida. Sempre irreverente e desbocada, manteve a elegância de moça bem criada, fruto de um matriarcado presente. Em sua biografia eu reli a parte da curra – aos 6 anos – com uma chave de fenda entre o seu sexo.

Doeu fundo afinal somos sempre abusadas mas ela parece que contornou as feridas sangrentas nos ensinando a viver através de suas músicas. Misto de psicanálise  com transgressão, cada refrão é um convite à reflexão. “ Toda mulher é meio Leila Diniz” E essa redescoberta da obra da Rita Lee que me traz novamente a sensação que eu não joguei minha vida fora.

Não banquei a santinha e deu certo. Ainda que aprendiz diante de tanto desbunde, vejo que me joguei de cabeça na oportunidade de viver. E sigo honrando esse coração que bate. Meu desejo? Que os meus humildes textos também façam um monte de gente feliz.

Por Kika Gama Lobo

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