Nunca aconteceu de as famosas ladeiras de Olinda/Pernambuco ficarem vazias no mês de janeiro. As prévias que antecedem a maior festa popular no Brasil, praticamente lotam a cidade já no primeiro mês do ano. Segundo o Ministério do Turismo, passaram pela cidade no Carnaval do ano passado 3,6 milhões de pessoas, número quase 10 vezes maior do que a população que é de 400.000 habitantes. Quatro Cantos é o ponto de encontro de 4 ruas e tem um dos metros quadrados mais disputados durante os dias de folia. Aglomeração pura.
E para se aglomerar rapidamente nos blocos sem perder tempo, nada melhor do que alugar uma casa em uma das famosas ladeiras da cidade. Se na praia o desejo é ficar numa casa pé na areia, em Olinda, exclusividade significa uma casa pé na folia. E estes contratos de aluguel são fechados e pagos com até 1 ano de antecedência. Mas, o Carnaval de 2021 foi cancelado em Olinda (e no Brasil inteiro).
Viajar no Carnaval sempre teve como consequência aceitar a política de cancelamento mais radical do ano, assim como no período de Réveillon. O pagamento é imediato independente da antecedência, se não puder viajar perde-se o valor pago. É justo? Sim e não ao mesmo tempo. Não é possível responder sem considerar uma série de fatores.
O fato de existir uma política de cancelamento no turismo é correto e necessária. Pense na situação onde você convida 20 amigos para um jantar de comemoração na sua casa. Todos confirmam, você aluga o salão de festas no seu prédio e contrata um serviço de buffet. Tudo certo e confirmado com todas as partes envolvidas. Três dias antes, oito convidados desmarcam por motivos que você julga como justos, no dia do jantar um outro convidado tem um mal-estar o que significa mais um casal a menos. Na melhor das hipóteses, você ficará apenas chateado e vai manter o jantar para a metade dos convidados.
Uma viagem não é uma jantar como os amigos e por isso precisa de regras, de preferência claras. A pandemia abriu brechas impensáveis nas políticas de cancelamento do turismo.
Se aconteceu algo de positivo no turismo, foi a possibilidade de rever e discutir políticas de reserva e de cancelamento. Nunca companhias aéreas foram forçadas a mostrar empatia para remarcar datas sem cobrar multa. Quando um resort concordou em te dar 100% de crédito para postergar a viagem numa alta estação? Testar positivo três dias antes da viagem ou uma cidade de repente entrar em lockdown abriram uma brecha para questionar o inquestionável. E essa discussão era muito necessária há muito tempo, sempre escutando o lado do fornecedor e do cliente. O momento é de repensar, dar um reset.
Eu conversei sobre o assunto com um parceiro de longa data, o dono do Hotel de Selva Anavilhanas Lodge localizado na Amazônia.
Janeiro e fevereiro incluindo o período do Carnaval são meses de alta temporada para os hotéis de selva, as reservas e pagamentos são feitos com muita antecedência. Pelo fato do hotel ter poucos apartamentos e uma localização remota, a logística de funcionamento é bastante complexa, consequentemente possui uma política de cancelamento severa. O diretor me disse que a partir da metade de janeiro uma avalanche de cancelamentos provocou 90% de desistências, as notícias vindas da capital amazonense causaram medo e insegurança no viajante (o acesso ao hotel é via Manaus)
A solução oferecida aos clientes foi inédita. Crédito com possibilidade de postergar a viagem ou receber de volta o pagamento feito na íntegra, sem descontar multas.
Quase todos os fornecedores do setor de turismo foram forçados a rever os contratos e políticas de cancelamento, mas este é apenas um lado da moeda. Vejo ligação direta entre o valor das multas absurdas com a cultura de desconto que se instalou no nosso dia a dia de forma cada vez mais agressiva. Hotéis oferecem tarifas com desconto especial, mas não permitem reembolso mesmo se o cancelamento for feito com 6 meses de antecedência. O hotel terá meio ano para revender aquele apartamento mas vai te cobrar 100% de multa. E você não tem argumento porque concordou com as condições no momento da compra.
Um voo de ponte aérea que liga SP ao RJ pode custar entre R$ 100 a R$ 1.500. Todos querem pagar o mínimo, mas alguns vão pagar o máximo porque não têm alternativa. Pelos mesmos 30 minutos de voo paga-se até 15 vezes a mais.
Não tem algo de errado na política de preços praticada?