Não existe doença chamada adolescência, porque haveria para outros ciclos da vida?

Junho se despede e um tema em especial me chamou a atenção por vir à tona no mês destinado a várias ações de coletivos, organizações não-governamentais e organismos representativos de categorias profissionais a discutirem e mostrarem à sociedade a importância de combater às diferentes formas de violência contra a pessoa idosa – como eu, seus pais ou seus avós.

Aqueles que chegaram aos 60 – cheios de sonhos, planos e gás para colocar em prática o que não conseguiram realizar até então, certamente não querem que digam: está doente de velhice. Eu pelo menos não quero. Posso até adoecer, mas não penso a velhice como doença – em nenhuma hipótese.

Pois bem, mesmo que você ainda não tenha desembarcado no porto dos 10,53% da população brasileira com mais de 65 anos, certamente chegará por lá e vai se deparar com algo que pode até servir a algum propósito (que eu desconheço) mas, até que me provem o contrário, será uma “ferramenta documental”, um atestado para discriminar idosos.

Me refiro à aprovação, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), da nova Classificação Internacional de Doenças (CID 11), na qual a velhice virou doença, com diagnóstico, sintomas e o código: MG2A.

Pois é meus amigos, quando a CID 11 entrar em vigor – em janeiro de 2022, você terá de carregar mais essa: “está de atestado por velhice”. Já pensaram? Não é uma questão de ficar envergonhado pelo código MG2A e sim da total falta de respeito aos minguados reconhecimentos que homens e mulheres com idade biológica igual ou superior a 6.5 vem conquistando.

Fico mais do que preocupada, indignada com essa conclusão que passou na assembleia da OMS em 2019 e deverá entrar em vigor três anos após 2022, quando a nova CID 11 passará a vigorar.

Além de ser uma porta escancarada ao preconceito com uma faixa da população que só tende a crescer, pois cada vez mais está informada e busca qualidade de vida, também sinaliza menor investimento em pesquisas na área da saúde, atingindo áreas como a da epidemiologia, que teria dados inviabilizados sobre esta camada da população.

Sabemos que os códigos ou CIDs norteiam e atendem as empresas de seguros e também as de planos de saúde.Então, ficaria bem mais simples um código tão abrangente como o MG2A, concordam?

Ao ler a notícia sobre a nova CID 11 e o impacto que o novo código pode provocar, lembrei do meu pai, que viveu um século e ficava muito chateado quando, em algum estabelecimento, alguém colocava em dúvida a capacidade dele de tomar decisões. Sim, ele morreu com 100 anos a caminho de 101 (faria em 7 de setembro e se foi seis meses antes).

Dom Olyntho, como o chamavam, atravessou séculos, casou duas vezes, teve seis filhos, lia diariamente jornais, fazia longas caminhadas e não morreu de velhice e sim de câncer e até os últimos momentos zelamos pela dignidade da maravilhosa velhice que ele teve e que fez questão de cultivar e celebrar como uma conquista.

E, se por acaso herdei dele a longevidade, não quero ter um atestado médico com um código que não fale do meu corpo, mas sirva a algo que ainda não tenho muito claro – embora possa suspeitar.

A decisão da OMS só contribuirá para acrescentar mais uma forma de violência enfrentada pelos velhos: a de ordem social, oriunda do preconceito. Ser velho em uma sociedade ansiosa pela eterna juventude e que exclui as pessoas idosas é uma tarefa que extrapola a racionalidade.

Se, as gerações Millenial e Z já disputam quem é cringe (palavra do momento na internet e que tanto significa mico, passar vergonha como também arrola gerações mais velhas porque essas seriam responsáveis por situações vexatórias), imagine o que não despertará um atestado de ausência na sua empresa com a CID velhice?

OK, posso estar exagerando, mas os sessentões de hoje não querem morrer de velhice. Eu pelo menos não quero. Claro, você até pode me dizer: Ah, mas morrer de velhice deve ser bom. Eu te respondo que não.

Morreremos de alguma falha em nossa máquina chamada corpo, mas não de velhice. E sabe porque? Porque envelhecer é parte da vida, é natural. Ficar velho é tão natural quanto passar pela adolescência. Ser velho é tão natural quanto ser criança, ser adolescente, ser jovem.

Ninguém tem um atestado com CID que faça referência ao estágio de vida. Isso é, não consta na nova CID 11 aprovada pela maior organização internacional a tratar da saúde da humanidade, algo que tenha diagnóstico e sintomas de adolescente. Ninguém terá como causa morte adolescência. Então, é natural que os velhos tenham doenças e que nenhuma se chama velhice.

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16 comentários
  1. Não sei quem inventou este novo código, mas provavelmente é alguém que não tem mais nada de importante a acrescentar ou está de mal com a vida! Ser idoso é um privilégio para poucos! Muitos não chegarão a ESTA fase! Nunca curti tanto a vida como agora, quase chegando aos 70! Curto todas minhas rugas (apesar dos vários cremes que insistem em me presentear!?), Nunca me senti tão livre para fazer o que me dá prazer, para vestir o que me deixa confortável sem ter que “estar/seguir a moda”, para tomar decisões que me dão prazer para curtir a vida, netos, família e amigos! Já não brigo com o meu eu interior que insiste em ser adolescente/criança e o meu eu real! Fico admirada com as marcas do tempo e fico orgulhosa porque elas fazem parte da minha vida, do meu desenvolvimento, do meu eu! E sim, creio que ESTa nova sigla vai é favorecer somente os convênios de saúde!

    1. Por mais absurda que seja, a CID 11 que entra em vigor ano que vem tem lá um código que nos condena. Vejo como unica alternativa promover no Brasil Um amplo debate, antes que o codigo entre em vigor em 2025. (Conforme diz a pRópria OMS). ?

  2. Eu realmente não sabia dessa CID da velhice. Temo o impacto disso nos planos de saúde e principalmente na nossa dignidade. Quero uma velhice saudável. Não consigo entender que a longevidade seja viada como adoecimento. Creio que isso é coisa de uma sociedade profundamente doente…

  3. Há uma dignidade imensa de quem pode contar histórias de vida, uma sutileza que nem sempre a sociedade está pronta para apreciar.
    Os japoneses descobriram esse valor e param para ouvir a voz da experiência. Eles tem ganhos escalares com isso, ENQUANTO Nós ocidentais precisamos atribuir valor a quem aprendeu antes e, até por economia temporal, ouvir, valorizar e distinguir a experiência. Ninguém se considera velho quando há respeito e ninguém perde qdo para, senta e ouve a voz serena da experiência.

  4. Deva, querida, como sempre super AsserTivA! EU tbem Nao quero morrer de velhice, meu pai DIRIGIU até os 90 e minha mãe com quase 91 vai mto bem, obrigada! Hoje já é a maior complicação
    Mudar o plano de saúde imagina com un Cid valendo??? Beijo grande! ?

    1. Fazes muito bem em denunciar, parece-me que essa CID11 tem COmo objeto o ganho financeiro de um grupo específico – os planos de saúde, indispensáveis nessa altura da vida. Experiência em DISCRIMINAÇÕES, tenho e muitas, será mais uma. Então, vamos a luta. Sempre lembro do que falou o palestrante de um curso sobre psicologia – ” O que está dentro de vc, também está fora, mas o que está fora não precisa estar dentro de vc” – assim lido com DISCRIMINAÇÕES, deixo-as fora de mim e assim, procuro viver minha meu ciclo plenamente.

  5. Penso como vc,não é a velhice que definirá minha saúde, enquanto viva eu estiver buscarei por aventuras,por calmas leituras se assim eu me agradar…não será um Cid, uma convenção que me ditara normas,serei eu .

    1. Me identifiquei muito, tenho 51 anos , mas cheia de sonhos que pretendo viver até ter condições, velhice não é doença e odeio quando ficam tratando a gente como criança ou Como se tivesse proBlemas mentais. Falam no diminutivo!!! Respeito por favor!!!!

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