Acordei assustada, com a garganta seca e com a sensação estranha de que, sim, eu havia roncado. Administrei o susto pensando: a secura na garganta deve ser do ar-condicionado. Que nada! Meu ronco havia sido ouvido e descrito por meu marido como sendo “um ronquinho suave”.

A confirmação de que durante o sono emito os ruídos que brotam por conta do estreitamento ou da obstrução nas vias respiratórias superiores me rendeu várias perguntas: será que tenho apneia? Isso ocorre por conta do pós-climatério? Até que ponto esse “ronquinho suave” tem relação com os picos de hipertensão arterial registrados no Monitoramento Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA, exame solicitado por cardiologistas e que permite o registro indireto e intermitente da pressão por um período de 24 horas, enquanto fazemos as atividades habituais e também durante o sono)?

Afinal, há uma solução para este pesadelo do ronco e da apneia do sono? O que há por trás do ronco e da Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS)? O certo é que muita gente não consegue dormir ao lado de um roncador ou roncadora. E outra: o ruído emitido por conta da dificuldade na passagem de ar provocada pelo estreitamento das vias respiratórias e a apneia (aquela barulheira noturna entrecortada por engasgos) literalmente são motivadores de divórcio. Segundo o médico Nonato Rodrigues, da Unidade do Sono de Brasília (USB), o ronco é a terceira causa das separações.

Se não é fácil para algumas pessoas encarar o cansaço que têm pela manhã, após uma noite mal-dormida, sem saber que a causa pode ser a SAOS, imagine para quem divide a cama com alguém com apneia do sono. Nonato Rodrigues explica que o paciente com a SAOS não tem consciência do que ocorre e pode acordar inúmeras vezes durante a noite – uma centena de vezes ou mais. Ou melhor: a pessoa não tem o mesmo nível de consciência que você tem neste momento enquanto lê esta matéria.

Mas quem está na mesma cama do roncador acorda, conscientemente, com a sequência de pesados roncos, paradas respiratórias, engasgos e segundos de silêncio que ocorrem em sequência. Por isso, quem dorme (ou tenta dormir) com alguém que ronca ou tem SAOS fica igualmente exausto. Aí se consegue imaginar o porquê de este problema ser, em todo o mundo, o principal motivo das separações, ganhando da infidelidade e das questões financeiras. E não é para menos, já que o som emitido pelo ronco tem mais decibéis que uma conversa em tom normal e também é mais alto do que um aspirador de pó (que tem cerca de 70 dbs).

Especialista em medicina do sono e vice-presidente do Departamento Científico de Sono da Academia Brasileira de Neurologia, Nonato Rodrigues diz que este tema é mais preocupante do que se possa imaginar. Cerca de 35% dos pacientes que procuram ajuda na Unidade do Sono de Brasília (USB) sofrem de apneia do sono e ronco. Um dado curioso levantado pelo especialista: na capital do país há um grande número de pessoas solitárias e com queixa de insônia. Mas na verdade elas sofrem de SAOS. Essas pessoas demoram muito a descobrir o problema porque não têm os familiares por perto para ver o que ocorre durante o sono delas e, assim, ajudar a fazer o relato ao médico. “Há estudos que demonstram que, enquanto o paciente não se tratar, não vai melhorar a vida conjugal” diz Nonato.

Ronco

Roncar é sinônimo de perigo à saúde?
Roncar não só sugere problemas de saúde como pode significar a presença de doenças. “O ar que bate nas estruturas que estão se fechando na faringe emite o ronco. Seria como uma corda de violão que, ao ser tocada, repercute o som na caixa do instrumento. No corpo humano a “corda” vibra na parte do tecido amolecido e vai para dentro da caixa do crânio, fazendo um barulho estrondoso. Existe uma resistência à passagem do ar. Só isso é uma doença”, afirma Nonato Rodrigues.

A apneia é classificada em três graus (leve, moderada e significativa). Os níveis levam em conta o número de paradas respiratórias (ou apneias) durante o sono, embora só este fator não seja suficiente para estabelecer o tratamento ou o tipo de SAOS. É necessário saber o tempo que o paciente passa com oxigênio baixo. Além disso, a quantidade de estágios de sono muda de acordo com os chamados microdespertares. Tudo isso junto causa um efeito danoso ao cérebro, como a insensibilidade aos hormônios, fazendo com que ocorra o desenvolvimento da obesidade, da poliglobulia (sangue grosso), hipertensão arterial, arritmias cardíacas e até mesmo o entupimento de vasos sanguíneos. ‘’É preciso tratar a apneia antes destes acontecimentos todos”, enfatiza Nonato Rodrigues.

A medicina do sono é uma especialidade nova que modificou a forma de os pacientes serem examinados e que responde a muitas dúvidas, entre elas a falsa ideia de que as mulheres em tratamento hormonal melhoram ou deixam ter os transtornos do ronco e da apneia. Nesta fase da vida, a falta de alguns hormônios pode precipitar o aparecimento do transtorno respiratório, mas a correção disso, em si, não ocorre, pois há um enfraquecimento do tecido muscular e também a fragilização do sistema nervoso central.

Segundo Nonato Rodrigues do ponto de vista anatômico e neurológico a eficácia do tratamento hormonal não é comprovada. “O que trata o ronco e a apneia é mecânico, é usar um aparelho que leve pressão de fora para dentro, abrindo as paredes da faringe”, garante o médico. Outros fatores – como os relacionados ao tipo físico, causam a apneia. Entre eles estão o queixo retraído e formato de rosto. Os orientais têm mais retração no espaço para respiração, podendo isso resultar na apneia.

Aprendendo a respirar
Nascemos com um software. Ninguém nos ensinou a respirar. Mas de repente precisamos mudar isso. É neste momento que o especialista em medicina do sono vai dizer que há uma máquina que vai nos ajudar a puxar o ar para respirarmos durante o nosso sono. Infelizmente, a maioria das pessoas têm dificuldade em se integrar a este tratamento e outras desconhecem as ferramentas disponíveis para ajudá-las. Outros demoram mais a entender, a aceitar.

O certo é que no caso de apneia, o CPAP (aparelho de pressão positiva que envia fluxo de ar para as vias respiratórias) é o de maior eficácia, embora não seja o único. Cada caso é um caso e, consequentemente, o tratamento é personalizado e em 98% é para o resto da vida. É importante que, uma vez diagnosticado o problema, o paciente seja acompanhado, no mínimo, uma vez por ano. O acompanhamento é importante para verificar se a apneia está sob controle e isso é um trabalho de longo prazo.

Então, se você desconfia que anda roncando ou fazendo apneia do sono, se fez o MAPA e sua pressão arterial noturna não apresenta queda, é importante procurar ajuda médica. Roncar e ter paradas respiratórias, acordar com cansaço pode ser um alerta, o sinal amarelo à saúde. É mais econômico comprar um aparelho do que tratar as consequências da apneia.

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3 comentários
  1. Tema muito importante. Grande parte das pessoas não dá importância a esses sinais, que podem sim indicar problemas mais graves. Parabéns! O texto está ótimo. Como sempre, aliás

  2. Nesses parágrafos revisitei muuuuitos sustos ao longo da vida com as crises de apneia do papai, roncador; desde a adolescência portador de desvio de septo (dada uma fatalidade que provocaram em seu nariz), hipertenso desde a idade adulta, ciente do histórico familiar em cardiopatias e ainda assim t-o-t-a-l-m-e-n-t-e renitente em autodomínio e cuidados com alimentação e qualidade de vida.
    Na terceira idade essas crises de apneia pioraram.
    A última aconteceu há 1 ano e 3 meses, no hospital, convalescendo de um AVC isquêmico, o levou (primeiro) ao coma induzido justamente no instante em que o médico estava à beira de seu leito para assinar a alta e permitir que voltasse comigo a esta cidade para continuar o tratamento neurológico.
    O coma induzido o protegeu de sequelas piores que sequer imaginávamos e, através de cases documentados em fontes sérias, soubemos que fatalmente viriam, bem como de sentir toda e qualquer sensação ruim nos dias que se passaram até o instante de sua despedida da Terra.

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