Vou contar aqui duas histórias do cotidiano de mulheres que já tiveram que enfrentar uma infecção urinária ou cistite.

História 1: Maria acorda com uma dor “chatinha”, vai ao banheiro fazer xixi e sente um cheiro diferente na urina. A preocupação dura no máximo 1 min., pois hoje ela tem um milhão de coisas para fazer. Ainda pela manhã, entre uma reunião e outra, ela volta a sentir a dor e junto vem uma vontade ardida de fazer xixi. Ela corre para o banheiro e sente muita dor para esvaziar a bexiga… Ufa, passou…

Problema resolvido? Que nada! A dor vai ficando mais intensa e o ato de urinar vai virando um suplício. Agora a cada 15-20 min.: dor, banheiro, vaso, esforço para urinar, mais dor e agora só sai uma gota de urina a cada passagem por ali. No meio da tarde ela desiste de lutar contra esse sofrimento e vai ao pronto-socorro.

História 2: Débora já era experiente no assunto. Não por acaso. Mês sim, mês não, liga para o sua médica pedindo a receita de antibiótico para uma suposta cistite de repetição. Além da menopausa, agora precisa se preocupar com a infecção de urina recorrente que vem lhe incomodando há pouco mais de um ano…

Hoje acordou bem, o primeiro xixi veio sem dor… Vida que segue. À tarde vai encontrar com as amigas para um happy-hour. Bebe seu primeiro copo de chopp… Epa… Sente uma vontade ardida de fazer xixi. Ela corre para o banheiro, mas o xixi sai antes dela tirar a roupa pois foi impossível segurar. Ela pede ajuda para a amiga mais íntima e depois liga para a sua médica. Termina a noite na farmácia mais próxima comprando antibiótico e analgésico.

Você se identificou com alguma dessas histórias? É provável que já tenha passado ou venha passar por algo parecido. Ao longo da vida, a infecção urinária pode atingir até metade da população de mulheres, e nesse grupo, metade pode apresentar recorrência da infecção nos 6-12 meses seguintes. Na menopausa, para ser mais específica, 8-10% das mulheres, a cada ano, vão apresentar infecção urinária e, dessas, 5% vão ter episódios recorrentes.

E sabe por quê? Porque a anatomia da nossa vulva (a genitália externa, aquela que a gente vê quando olha no espelhinho) propicia que germes “do mal” subam o canal da uretra (canal do xixi) e infectem a nossa bexiga com mais facilidade que nos homens. Isso acontece pelo fato de nós mulheres termos os “três buracos” (uretra, vagina e ânus) muito próximos e uma uretra muito mais curta.

Para complicar, o ato sexual na mulher também é um facilitador da subida de bactérias para a bexiga, tanto por causa do movimento na hora do sexo, como pelas escoriações que podem ocorrer no nosso revestimento por causa do atrito.

Na menopausa, o cenário pode ser ainda mais radical pois além da anatomia desfavorável, acrescentamos a atrofia urogenital por causa dos baixos níveis de estrogênio. Mas afinal, o que é a atrofia urogenital? Todo mundo fala sobre isso, mas ninguém explica… Sendo curta na resposta, ela é o “afinamento” da camada de células que revestem a uretra, a bexiga e a vagina, a tal da “mucosa” que vai ficando muito fina. Mucosa fina é igual a mucosa frágil.

Com esse revestimento mais fino, temos a diminuição das bactérias “boas” da vagina (as que são como soldados contra as bactérias invasoras) e a diminuição das “pregas” do revestimento da uretra e vagina (a mucosa perde uma rugosidade natural e fica lisa igual pneu “careca”, diminuindo a barreira física contra os germes). Há também uma chance maior da mulher se machucar com qualquer atrito (relação sexual, roupas íntimas com tecidos mais duros, calças apertadas) e, com isso, facilitar o surgimento de infecções.

Agora, pondera aqui comigo: todas as mulheres vão sofrer de infecção urinária recorrente na menopausa? Algumas vão sofrer mais que outras, mas se você se cuidar vai sofrer menos.

O que pode aumentar nossa chance de infecção na pós-menopausa ?

  1. Se você já tem um histórico de infecção urinária de repetição na pré-menopausa.
  2. Se você tem flacidez da musculatura pélvica, aquela que sustenta os nossos órgãos dentro da pélvis, colocando a bexiga fora da sua posição natural e permitindo que o esvaziamento da bexiga seja incompleto ao fazer xixi. Pensa em esvaziar uma garrafa de água com o bico virado para o lado e não para baixo… Sempre vai sobrar líquido, né? Dessa forma a limpeza que é feita ao se esvaziar a bexiga fica incompleta.
  3. Se você perde urina com o esforço de tossir, espirrar e pegar peso. Nesse caso, os mecanismos de sustentação da bexiga e de fechamento da uretra para o meio externo (esfíncter uretral) estão danificados e isso também pode facilitar a entrada das bactérias.
  4. Se você tem um grau de “atrofia urogenital” muito avançado. Muitos anos vivendo sem o estrogênio e sem tratamento certo, a atrofia evolui para graus mais intensos. Nessa situação, ao contrário do que falamos antes, as mulheres que tem relação sexual com certa regularidade podem obter vantagem, pois o sexo ajuda a retardar a atrofia. Como assim? O sexo não faz atrito e causa infecção? Faz sim. Na pré-menopausa principalmente, a atividade sexual frequente pode aumentar a chance de infecção urinária por causa do atrito, a famosa “cistite da lua de mel”. Contudo, com o envelhecimento a atividade sexual se torna um grande aliado, desde que vc. esteja bem lubrificada, atrasando a atrofia dos genitais e, por consequência, mantendo os mecanismos de proteção contra infecções mais intactos.

E qual a saída para tudo isso?

Primeiro, vamos tratar a infecção urinária vigente com o antibiótico mais apropriado, de preferência após um exame de urina e avaliação do médico. Depois disso, precisamos pensar em prevenir novos episódios.

Recomendamos beber água (uma média de 2 a 2,5L ao dia), não segurar o xixi por muito tempo, sentar no vaso para urinar e, assim, esvaziar bem a bexiga, fazer fisioterapia da musculatura pélvica para fortalecer a sustentação da bexiga e uretra, usar lubrificantes na hora do sexo, hidratantes e, claro, os cremes vaginais a base de estrogênio quando aparecerem os primeiros sinais de atrofia.

Além desses cuidados, já temos à disposição o “laser” para a vagina, que surge como uma alternativa ou como um “plus” de todo o tratamento, igual àquele que fazemos no rosto para retardar o envelhecimento. A ideia é nova, mas estudos médicos vêm mostrando resultados promissores na prevenção da atrofia dos nossos genitais.

Não prolongue o sofrimento nem o menospreze. Beba água, não segure o xixi, faça sexo sempre muito bem lubrificada e não deixe de se consultar com o seu ginecologista para evitar que a cistite apareça e atrapalhe o seu dia.

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6 comentários
  1. Dra. Andrea, você é uma fera no que faz. E além disso, escreve de forma gostosa de ler! Obrigada pelO artigo muito esclarecedor!

  2. Nossa!!!!!, muito esclarecedor pra mim.
    Matéria incrível,Parabéns pela excelente matéria……ansiosa pelos próximos conteúdos..

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