Você se lembra que eu havia recebido um telegrama de Alberto dizendo que eu deveria usar uma saia preta e blusa branca, sapatos pretos, cabelos presos? (“Blusa branca e saia preta”). Minha mãe e eu ficamos em dúvida o que Alberto realmente queria dizer no telegrama. Decidimos que eu deveria chegar em Lugano, na plataforma do trem onde Alberto estaria a minha espera, vestida como ele havia escrito e preparada para o que desse e viesse!

De qualquer forma, eram poucas as horas que eu tinha antes de embarcar. Então teríamos ainda que providenciar tais coisas antes da viagem. E sem dinheiro. Foi um corre-corre! Uma saia preta eu ganhei da vizinha. Estava muito larga para mim, mignon como sempre fui. Minha mãe não perdeu tempo: sentou-se na máquina de costura e num instante a saia ficou perfeita!

Enquanto isso fui ao shopping com meu irmão e compramos um par de sapatilhas pretas e duas blusas brancas, tudo baratinho, sem escolher muito. Pagamos tudo com um cheque pré-datado dele. Aquele jeitinho que nós brasileiros temos de fazer milagres quando se trata de comprar!

Quando arrumei a mala, coloquei por último, por cima de tudo, a tal saia e uma das blusas brancas. Bem estendidas, esticadinhas, de forma que não ficassem amarrotadas demais. Eu não as vestiria no avião, pois depois de uma viagem longa como aquela, durante a noite, provavelmente não estaria com boa aparência ao chegar em Astano no dia seguinte. Seria impossível ir trabalhar com a roupa toda amassada! Eu teria que dar um outro jeito.

Se tem algo que até hoje me deixa com os nervos à flor da pele e com um mau humor extremo é não ter tempo suficiente para me arrumar para alguma situação especial. Eu estava extremamente estressada com aquela situação. Nervosa. E todos sentiam isto, principalmente minha mãe.

Você já percebeu que precisamos de ter pessoas perante as quais podemos dar vazão às nossas frustrações? Geralmente são as pessoas que mais nos amam: nossos pais, nossos companheiros. Aqueles, que nos amam incondicionalmente. Tenho que confessar que, algumas vezes, fui indelicada com minha mãe, quando eu estava muito nervosa, como naquele dia. Minha mãe já não está mais entre nós. Como eu gostaria de conversar sobre o assunto com ela, hoje, e pedir desculpas!

O voo foi tranquilo, ao contrário de minhas emoções. Estas variavam de imensa tristeza, por ter deixado Carioca em Baía Formosa, à grande alegria e felicidade, por estar dando início ao nosso projeto. Ganhar dinheiro na Suíça, aprender mais sobre hotelaria e voltar para Baia Formosa, para fazer a nossa pousada.

Ao chegar ao aeroporto de Milão, lembrei que tinha ainda que comprar umas meias-calças, já que teria que usar saia. Início de março, primavera na Europa e ainda frio. Logo após pegar as malas, comprei, além das meias, uma fivela de cabelos baratinha para prendê-los, de acordo com as instruções de Alberto.

Tive que correr para não perder o trem com destino a Lugano. E decidi que trocaria de roupa no trem. Esperei um momento apropriado, onde todos os passageiros estavam sentados e nenhuma parada estava prevista. Sob os olhos curiosos e espantados das pessoas presentes, abri então minha mala, bem no meio daquele corredor estreito demais. Tirei blusa e saia, que estavam ainda lisinhas, como se tivessem sido passadas naquele minuto. Olhei em volta e pedi a uma senhora que estava sentada próximo: “A senhora pode prestar atenção na minha mala, por favor? Eu tenho que me trocar para o trabalho…” e fui para o toilette do trem sob os olhos perplexos, mas cheios de compaixão, da mulher.

A toilette do trem era pequena, mas limpa. Prendi o cabelo, passei rímel e batom, este também nas bochechas. Era tudo o que eu usava, na época, como maquiagem. Aliás, gosto ainda hoje de usar batom como blush. Tirei o jeans e a camiseta usados no avião, enfiei a meia-calça nova, vesti a saia, a blusa. Estava prontinha, impecável. Nem parecia ter passado a noite acordada no avião. Não sentia o fuso horário. Vantagens da juventude? Olhei para o espelho e disse para mim mesma: “Que venham os pratos, hóspedes e a grana! Suíça, estou chegando!”

Tenho que rir, quando escrevo isto. Bem eu. Sempre dramática, teatral.

Sentei-me novamente no meu lugar à janela do trem e tive – como já algumas vezes antes e outras depois – a certeza de ter tomado a decisão certa. A paisagem que passava correndo depressa demais era estupendamente bonita. Lagos brilhavam ao sol da manhã, montanhas com as pontas cobertas de neve, como se houvessem se enfeitado com uma colherada de chantilly só para me impressionar, contrastavam com um céu azul anil. “Próxima estação, Lugano!” Tal mensagem soou no trem e me trouxe novamente à minha nova realidade: garçonete!

Plataforma 12. Alberto estava lá. Ao vê-lo, lembrei-me de que ele havia estado na Arara-Export há anos, numa curta visita. Eu já o conhecia! E lembrei-me de que não o havia achado simpático naquela ocasião. “Sr. Alberto! Bom dia!” disse, em alemão, usando meu melhor sorriso – de agora em diante ele seria tratado assim, pois era, então, meu patrão.

“Susanne! Fez boa viagem?” olhou-me dos pés à cabeça e irônico, rindo alto, completou: “Veio achando que vai trabalhar? Já de uniforme? O restaurante ainda está fechado. Abre só daqui a dois dias! Mas está bonita. Vamos, temos ainda uns 30 minutos de carro até chegar ao hotel.” E foi andando na minha frente, eu, uns passos atrás dele, carregando com esforço minha mala de dezoito quilos. “Nossa! Que cavalheiro”, pensei.

Não sabia se ficava com raiva de mim mesma ou se gargalhava da minha ingenuidade, ter pensado que iria ter que trabalhar logo após a chegada! Decidi achar engraçado e ter mais uma história para contar, assim que conhecesse meus novos colegas. Mas te digo: se puder, evite ter necessidade de trocar de roupa dentro da toilette apertada de um trem balançando o tempo todo.

A estrada para Astano, assim se chama o pitoresco vilarejo onde ficava o Albergo della Posta – hotel dos correios, se traduzirmos ao pé da letra – era estreita e muito cheia de curvas. Já estava começando a passar mal, quando Sr. Alberto parou o carro numa ruela em frente a uma casa bastante velha e disse: “Chegamos! Vou te mostrar seu quarto”.

Ao sairmos do carro, logo apareceu um rapaz de estatura baixa, meio corpulento, com um avental muito branco, um sorriso muito largo e um olhar muito meigo. Vem em nossa direção, tira a mala do porta-malas e diz: “Buon giorno! Ma lascia che prendo la valise per te, Susana!” Sem entender palavra, percebo que, daqui para frente, tudo vai ser diferente. Até a língua! Pois na suíça italiana, se fala italiano, claro! E eu, nem uma palavra! Mas…

Você vai ver como me virei na vida nova, pois logo vem por aí um novo capítulo. E, prometo: o melhor está por vir! Espero você aqui…

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