Não sou daquelas que acho que o aprendizado fica melhor pela dor. Mas desde que meu ginecologista proferiu a sentença: “Kika, você está com câncer” , que minha vida mudou de ponta a cabeça. Para melhor.

Câncer

Também não acho que tive o câncer para sarar algo emocional, kármico ou de vidas passadas. Muito menos que eu merecia passar por duas operações, seis órgãos extirpados e oito sessões de quimioterapia.

Não acredito que tragédias cotidianas ou doenças radicais sejam necessárias para mudanças. Mas, sem dúvida são um start para um mergulho em si. No meu caso foi um caldo.

Nasci melancólica, meio diva-depressão e com a notícia do carcinoma de endométrio, dei um emburacada. E aproveitei esse clima cinza, nebuloso, pra começar a pentear as minhas dores.

Coloquei cada uma das minhas neuras enfileiradas e, a cada sessão de Césio 137 e Irídium – duas potentes radiações – queimei parte das minhas ilusões.

O câncer ceifou meu estoque de mimimi. Depois me colocou no prumo para guerrear com as minhas neuroses. No meu caso, herdeira do estilo familiar nelsonrodrigueano, vocês podem imaginar os muitos tomos e capítulos que precisei tacar na fogueira. Fui longe.

Lá atrás na minha infância, eu mesma dei uma de Freud de araque para tentar limpar meu HD. Ainda não terminei. Continuo na missão e continuo a mergulhar fundo em mim, especialmente dentro deste buraco vaginal (sim, minha quimio foi feita dentro da vagina através de um cilindro peniano enfiado nas minhas vísceras).

Câncer

Talvez por isso eu tenha criado um método roto-rooter de anulação das minhas desculpas sinceras. Elas não me interessam mais. Sabe que funcionou? Estou mais leve. Esse tal de auto-perdão é potente.

E o câncer é professor porque aquele bichinho do “ranram” da morte, virou vizinho. A doença te traz essa chama de vida justamente porque tem uma morte sinalizada. Quem passou por operações, tratamentos, amputações, cicatrizes – traz um Q mórbido que se bem usado vira um asset.

E passados nove anos daquele tarde no consultório do Dr. Márcio em Ipanema, quase chegando em 2022 ao décimo ano da remissão do problema e, pela OMS, livre de todo o mal inicial, eu celebro sim a minha doença. Foi ela que me curou. Que me livrou de uma Kika banal, morna e ajuizada.

Sou toda excessos. Destrambelhada, embocetada e aflita – predicados não tão virtuosos, mas, diante de uma vida original pacata, hoje sou fogo no parquinho. E com essa mensagem de transmutação alquímica, essa carioca se despede celebrando mais um Outubro Rosa que pra mim será sempre pink, apesar de um dia ter sido punk.

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4 comentários
  1. Kika você como sempre arrasando em todos os conteúdos abrindo sua vida e sua história sem filtro como ninguém ! É disso que precisamos de vida real de pessoas reais que passam por agruras e sofrimentos mas conseguem se reerguer e levantar , e ressignificar sua vida e um pouco a nossa também que te segue e te admira ??????????????

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