Reto Hammerstein sempre foi um homem de palavra. Ele disse que iria me ajudar e realmente o fez. Mesmo o fato de eu tê-lo “deixado na mão”, ao ter pedido demissão de sua empresa de forma inesperada, ou o fato de não termos tido contato por quase três anos, não o impediu de me apoiar naquela hora difícil.

Eu havia ouvido o que ele dissera ao telefone, que eu teria um emprego como garçonete em um hotel na suíça italiana, (“Trocando Baía Formosa pela Suíça”). Mas, de uma certa forma, não me parecia real aquilo tudo! E menos real ainda me parecia o fato de que eu deveria estar lá dentro de uma semana! Não falamos sobre salário, mas Reto me explicou que eu teria um quarto na casa dos funcionários e que faria as refeições no hotel. Ou seja, não teria despesas para sobreviver. E, com certeza, ganharia gorjetas! Poderia economizar, a princípio, todo o salário. Parecia perfeito!

Ou quase. Para o Carioca, que não possuía uma dupla nacionalidade europeia, não foi possível, naquela pressa, conseguir uma permissão de trabalho na Suíça. Reto aconselhou-me a ir na frente. Eu não deveria deixar passar tal oportunidade. Carioca iria depois. Além do mais, ele não falava nenhuma língua além da portuguesa, o que dificultava ainda mais as coisas.

Mesmo não tendo discutido tal detalhe com Carioca, falei imediatamente para Reto que aceitava a proposta de Alberto. Sim, eu iria primeiro. Estaria daqui a dois dias já em São Paulo, na casa da minha mãe, organizando minha partida para a Europa. Não sem antes agradecer imensamente o apoio de Reto, despedi-me e corri excitada ladeira abaixo em direção à Praia da Cacimba, onde ficava nossa casinha.

Carioca, que me esperava na varanda da casa, ao ver meu semblante de felicidade, logo me pegou no colo e me rodopiou pelo ar, como sempre fazia, quando muito alegre. Mal sabia ele ainda que, na verdade, aquilo significava nossa separação. Mas seria somente por algum tempo. Logo, logo, ele iria ao meu encontro.

Carioca não conseguia aceitar o fato de que eu iria sem ele! Ficou furioso, colérico mesmo. Para em momentos depois, ficar extremamente triste e decidir que deveríamos nos casar, antes que eu fosse. Mas eu não quis, algo me dizia que eu não deveria fazer tal coisa às pressas. O fato de tê-lo visto assim, tão exaltado, como nunca havia visto antes, deixou-me com um certo receio. Havia visto uma nova faceta do Carioca.

Foi uma correria. Um fazer malas, um despedir-me de todos. Levando somente pouquíssima roupa, uma vez que só possuía saias ciganas, tops e shorts, que eram completamente inadequados para minha vida futura. Coloquei na mala quase todos os biquínis, algumas poucas fotos, muita esperança e muita coragem. Embarquei dois dias depois do telefonema com Reto no avião que me levaria de Natal para São Paulo.

No avião, uma enxurrada de sentimentos tomou conta de mim. Lembrei-me do meu primeiro voo de São Paulo com destino a Natal, três anos antes, quando tirei férias na Arara-Export a fim de verificar se viver em Baia Formosa me traria a paz de espírito que tanto procurava! (“Como conheci meu surfista Carioca”) Despedir-me do Carioca foi imensamente doloroso, pois ver a sua tristeza, seu desconsolo, me partiu o coração. Carioca chorou como uma criança pequena. E eu tinha certeza de estar fazendo a coisa certa!

Quantas vezes na vida estamos certas de estar fazendo o melhor? Não foi assim que me senti quando vim para Baia Formosa sozinha no meu Prêmio vermelho? Não tinha, na época, nenhuma dúvida de que aquele era meu destino! Começar de novo, do zero, num lugar completamente desconhecido, junto com um desconhecido. Para, então, quase três anos depois sentir até um certo alívio ao ir embora dali?

Questionava aquela minha eterna busca. Questionava a vida percorrida até então, que me mostrava estar presa num ciclo quase constante de três anos. A cada três anos uma mudança radical. O esquema sempre se repetia: a empolgação do novo no primeiro ano; inquietação e questionamento no segundo, que acabavam em insatisfação no terceiro ano, me induzindo a jogar tudo para o alto, a começar de novo.

Seria possível que, inconscientemente, sentia necessidade de repetir o que vivera na infância? Seria possível que, não tendo vivenciado estabilidade quando criança, não havia aprendido a ter uma vida estável? Mas… eu haveria de quebrar este dogma. Iria agora para a Suíça e voltaria. Voltaria para viver para sempre na “minha” Baía Formosa. Com o “meu” Carioca, que, indo ter comigo mais tarde, haveria lá de aprender a viver sem seu vício. Eu tinha certeza de que o único mal do Carioca era a maconha! Aquilo era o culpado de tal miséria.

Estando em São Paulo, já na casa da minha mãe, abri as caixas que havia deixado lá com algumas poucas roupas – aquelas caixas de alumínio vermelhas que eu havia usado na viagem de navio, lembra? (“Todos a bordo!”) Tinha esperança de achar alguma coisa que ainda pudesse usar na minha nova vida. Eu havia presenteado tudo o que possuía para minhas colegas de trabalho, quando decidi virar bicho-grilo… (“Nem o paraíso é perfeito!”)

Imagina você que hoje tenho enorme dificuldade de me desapegar de roupas. Acredito que seja assim, pois vi-me naquele momento na situação de não possuir praticamente nada para vestir e sem dinheiro para comprar. Mal tinha o que levar na malinha pequena. Olho hoje para uma peça que não visto há tempo, pois não combina mais com minha vida atual e a coloco na caixa onde separo coisas para doar. Para minutos depois tirá-la novamente e pensar: “mas… e se um dia eu precisar?” Juro para você que estou trabalhando este trauma. E melhorando, juro. Alguma dica?

Reto já havia providenciado, nesse meio tempo, minha passagem aérea para Milão, na Itália. Em Milão eu pegaria o trem para Lugano, na Suíça italiana, onde Alberto estaria me esperando. De carro, chegaríamos em meia hora no pequeno povoado de Astano, na região de Malcantone, onde ficava o hotel.

Um dia antes de viajar, recebi um telegrama de Alberto com as seguintes palavras, aqui traduzidas do alemão, claro: “Estarei na plataforma 12 no horário previsto para chegada do seu trem pt aviso que deverá usar o cabelo preso pt saia preta pt blusa branca pt sapato preto pt saudações pt alberto pt”

Minha mãe e eu ficamos em dúvida: seria essa a maneira que Alberto havia encontrado para me identificar na plataforma? Ou eu deveria já estar pronta para trabalhar no restaurante, logo que chegasse, depois da longa viagem? Havia eu entendido o que a mensagem queria transmitir? Como agir, o que fazer? Já não havia tempo para esclarecer nada com Alberto, estava prestes a partir! A comunicação entre os oceanos antigamente era muito vagarosa.

Da próxima vez vou te contar a solução que encontramos juntas, minha mãe e eu. Vai querer? Espero que sim, porque iremos rir juntas!

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15 comentários
  1. Querida
    Li qdo saiu do” forno”! Meu comentário nã entrou. Te admiro mto, tua inquietação é produtiva, fostes e continuas sendo mto audaz. Sigo sempre curiosa e este sentimento que me despertas, te acredita escritora nata.
    Beijão

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