Não pense você que o dono suíço daquela empresa onde eu trabalhava em São Paulo, aceitou sem mais nem menos o meu pedido de demissão! Claro que não. Ele tentou me persuadir a ficar, fez-me propostas excelentes, mas eu fiquei firme na minha decisão de virar “bicho-grilo” e ir morar numa praia desconhecida no Nordeste. Então, ele fez uma sugestão que eu não pude recusar: me daria um mês de férias, pagaria as passagens aéreas de ida e volta a Natal. Que eu ficasse lá em Baía Formosa durante esse tempo. Assim poderia decidir depois se deixaria mesmo São Paulo definitivamente para ir viver na tal praia. Aceitei a proposta, claro.

Cheguei no aeroporto de Natal à noite e resolvi pernoitar em um hotelzinho próximo e seguir viagem para o meu destino final somente na manhã seguinte.

Amanheceu. O calor era enorme, o vestidinho de algodão colava no corpo. Fui para a rodoviária, onde pegaria o ônibus para Baía Formosa. Havia muita gente falando muito alto, vendedores oferecendo cocadas, biscoitos de polvilho e frutas que eu nunca havia visto antes. Homens e mulheres queimados de sol e eu, estando pálida devido a muitos dias fechada em um escritório, chamava atenção. Alguns homens passavam por mim e sussurravam alguma coisa que acreditavam ser um elogio ao meu ouvido.

Carioca

Se eu era bonita? Não me sentia bonita. Sou um tipo mignon, bem proporcionada, olhos castanhos, pele clara, usava o cabelo castanho escuro longo, quase na cintura, meu grande orgulho. Meu pai dizia que tenho uma aparência “apart”. Eu não queria ouvir isso. Eu queria ouvir que era bonita. Mas isso ele nunca disse. Ninguém disse. Assim, fui mesmo durante muito tempo a prima feia.

O ônibus chegou e abriu suas portas. Fiquei esperando do lado de fora e prestando atenção nos muitos passageiros que entravam. Mulheres carregando trouxas na cabeça, crianças, homens, jovens, velhos. Uma das mulheres, parecia ainda bem jovem, carregava um bebê no colo e puxava um menino de mais ou menos três anos pela mão. Na cabeça ia equilibrando a trouxa. Tudo muito diferente da vida que eu levava em São Paulo. Eu estava assim como que hipnotizada, fotografava tudo. E nem imaginava que a minha máquina fotográfica iria me salvar num futuro bem próximo. Mas isso te conto de uma outra vez.

Um homem velho, carregando uma meia dúzia de galinhas amarradas num cabo de vassoura, entrou no ônibus. As galinhas, penduradas pelos pés e de cabeça para baixo, pareciam mortas. Mas assim que o cabo de vassoura era baixado e elas encostavam no chão, começavam a cacarejar e a se rebater tentando escapar – o que era impossível! Esse homem passou a viagem inteira de pé no ônibus lotado, “espanando” os outros passageiros com suas galinhas, o que parecia não incomodar ninguém. Deveriam estar acostumados, pensei. Lá íamos nós, rumo à Baía Formosa. Eu, que viajei de pé e bem na frente ao lado do motorista curioso e cheio de perguntas, tinha excelente vista da paisagem pelas quais passávamos.

Desci do ônibus duas horas depois quando este chegou no ponto final, lá embaixo, na praia do porto, único lugar que eu ainda tinha na memória do meu tempo de criança, quando lá morei. Perguntei a alguns homens sentados na calçada onde eu poderia pernoitar. Indicaram-me a Pousada Boa Vista, a única do povoado, que ficava lá no alto, de onde se podia ver todo o “Pontal”, o pico de surf do lugar.

Aluguei um quarto para um mês, paguei 15 dias adiantado, do que iria me arrepender mais tarde, mas disso não sabia naquela hora. Me alojei naquele quarto muito simples, mas singelo. Da varanda, deitada na rede, via toda a praia e o mar com suas ondas perfeitas, lá embaixo. Fantástico!

Na manhã seguinte, vesti meu melhor biquíni e fui para a praia. Boas ondas, alguns surfistas. Deitei-me sobre a toalha na minha melhor pose e fiquei me deliciando ao sol, observando a paisagem, as ondas, as casinhas na orla da praia, as poucas pessoas.

Quando de repente, vejo um monumento de homem, alto, queimado de sol, corpo atlético, cabelos louros ao vento, sorrindo com dentes muito brancos, vestido com um short de surfista, saindo de uma das casinhas da orla e vindo em minha direção. Meu coração ficou aos pulos, quem era ele? E vindo em minha direção? Em questão de segundos, estava lá ele, agachado na minha frente, na mão uma enorme colher de alumínio velha, toda amassada. Me perguntou como se já me conhecesse: “Você gosta de salada de batatas?” Eu respondi: “Sim, porquê?” “Porque estou fazendo uma agora e queria convidar você para almoçar comigo.”

Três dias depois, saí da tal pousada e fui ficar com ele na casinha em que ele morava na beira da praia. Somente duas semanas depois já estava eu voando de volta para São Paulo para buscar minhas coisas o mais rápido possível e vir viver feliz para sempre com ele com o “pé na areia”.

Foi assim que conheci o meu “Carioca”! Queria te contar isso, antes de começar a escrever sobre minhas aventuras no paraíso… Vai querer ler?

(Você pode deixar, se quiser, sua resposta no espaço para comentários logo ali embaixo.)

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47 comentários
  1. Tem algo bem interessante nos teus textos: em cada palavra, já consigo despertar o meu imaginário! Tento recriar o ambiente que vocÊ apresenta… Muito legal você compartilhar suas histórias. Já quero ler o próximo!

    Beijo

    1. Seu comentÁrio é um Carinho na minha alma. Pois esse é o meu objetivo ao escrever: transportar o leitOr para o meu momento vivido. Muito obrigada.

    1. Eu escrevo sEmpre pequenOs episódios, que seMpre se completam. Esse acabou, mas a história continua. Próxima semana tem mais… obrIgada por Ler e comentar, querida!

  2. Que texto deliCioso, quanta liberdade e desapego, admirO muito esta coragem de experimentar diferEnteS formas de viver a vida, entregar-se AoS nossos desejos e paixões….
    quero conhecer oS próximos capítulos…
    parabéns pela hiStória vivida e pela linda narrativa!

    1. Se eu escrevesse uma pÁgina a cada dia, no final de um ano Teríamos um livro com 365 páginas. Obrigada por me incentivar semPre!

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