Eu corro com o tempo, somos livres, como a brincadeira que me faz sorrir nessa fria noite dos meus três anos. Estão todos aqui, jovens, comemorando o meu dia como se fosse o único e o último.

Eu os observo, ouço suas vozes, tão claramente, rindo, espalhados pelo jardim da casa setenta e seis da rua Fernando Martins. Vivos. Nas reclamações da minha avó. Nos murmúrios do meu avô à procura de um parceiro para o seu xadrez. Na euforia rara do meu pai, embalando os meus desejos de aniversariante como se fossem presentes.

Eu corro com o vento, que despenteia o meu cabelo e levanta a minha saia, rodopiando por entre as pernas das minhas mães, fugindo da criança que me persegue aos gritos, suplicando o objeto encantado da nossa brincadeira fantasiosa.

Fotografia

Estou feliz, eu canto, sob o olhar cuidadoso dos nossos velhos pinheiros, dos rostos familiares daqueles que me felicitam sem dizer uma palavra, do meu passado, guardado para sempre nessa imagem turva e breve.

Sim, sou querida, admirada, me enxergo no mundo, sou parte de um grupo, segura, avançando devagar por uma estrada que um dia também será inteiramente minha. Não tenho medo. Nem pressa. Sigo os passos de quem me apresenta a vida.

Tenho sorte, como tive sorte, e o conforto da proteção que me acolhe, forte, não me faz querer estar em outro lugar que não seja aqui nesse meu canto. Perto do cheiro de terra molhada que escapa da grama. Do caquizeiro que tenta invadir a janela do segundo andar dedilhando a vidraça. Dos mistérios do sótão que esconde segredos das vidas que não conheci. Meu banco de pedra. O doce de coco queimado. Sonhos ainda semente, iluminados pela vela que eu sopro com a satisfação de quem pode escolher qualquer pedido.

Minha infância, doce, sabor de que tudo é possível, bonito, fácil, simples.
E o que eu mais quero, dentro desse momento congelado na velha fotografia, é nunca ter de perdê-los. Todos eles. Os que já se foram e os que ficaram.

Para que eu possa continuar sendo apenas filha, neta e sobrinha. Infinitamente.

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1 comentário
  1. Paula querida, Como eu gosto dOs seus textos! Adoro te ler, adorei te conhecer e que nossa amizade tbem fique registrada numa fotografia! ❤️

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