O primeiro texto que escrevi para esta coluna de histórias sobre minhas andanças por este mundão a fora não foi lá muito democrático. Então pensei em escrever algo que respondesse ao desejo das pessoas. Fiz uma postagem no meu Instagram, no formato carrossel, e na legenda perguntei: qual das três fotos você quer que eu conte a história? A ideia era fazer um texto que aguçasse a curiosidade dos leitores, que de alguma maneira tocasse o coração deles a partir de fatos contados por uma memória amorosa. Meus seguidores elegeram a foto da maravilhosa Balangan Beach, uma das dezenas de registros que fiz sobre minha viagem a Bali com meu filho Fernando.

E aqui estou para contar sobre as andanças em Bali, uma das viagens mais incríveis que fiz com ele, um cara divertido, sem nenhum medo, meu grande amor e amigo. Ah, não pense que este é um texto triste porque Fernando está surfando em mares lá do céu. Deixar pessoas tristes não combina comigo, que encarei viajar com meu filho surfista, me enfiei  em um barco fedendo a gasolina no meio de um mar com ondas imensas e, entre ondas, cerveja, danças balinesas, roda de papo  só tenho a agradecer por tantas vivências na parceria de um jovem que viveu intensamente todos os momentos dos seus 38 anos. 

Garanto a vocês que Bali foi um dos lugares mais incríveis que conheci e só mesmo o Fernando para me arrastar  para aquela ilha paradisíaca, que chamo da segunda pátria do Xis (apelido dele), que trabalhava o ano todo para ir prá lá e fez isso praticamente durante os dez anos que viveu na Gold Coast, na Austrália.  Com costumeiro friozinho na barriga (sempre sinto quando algo muito novo bate à minha porta), madrugamos (Fernando e eu) e atravessamos um pedaço da Austrália, deixando a Gold Coast para trás. Inicialmente fomos de carro de Kingscliff até uma estação de trem. Deixamos o carro (apelidado de baratinha) com Caio Mister, um amigo do Xis que madrugou para fazer esse favorzão pra gente. Fomos de trem até Brisbane, onde pegamos um vôo até  Bali.                  

Pouca bagagem, uma mochila básica e, claro, a prancha de surf. Lá  fomos nós. Não sei qual dos dois estava mais feliz. Eu porque, além de estar com ele, pela primeira vez estávamos vivendo uma aventura só nossa. Naquele momento meu coração batia por dois bons motivos.  Primeiro, identificava no meu filho uma cópia muito melhorada do meu espírito aventureiro e sempre atento às pessoas e às diferentes maneiras de viver de cada povo. Segundo: estava muito feliz por ter educado um homem de bem -como diria meu pai.

Bali
Fernando

Dormi um pouquinho no vôo e ao sentir a cabeça cair e um cutucão do braço, olhei pela janelinha e lá estava aquele mar incrível, contornos de recifes, hora a água era esmeralda clara, em alguns momentos se tornava ganhava sombras de verde mais escuro. Estávamos chegando em Denpasar (Aeroporto de Denpasar, em Bali). Tive a sensação de estar em algum lugar muito conhecido, mas estava ansiosa, pois nunca tinha viajado sem antes marcar hotel, etc. Só que meu companheiro daquela aventura tinha muitos contatos em Bali, amigos balineses e brasileiros que moravam lá. Então, eu não me preocupei em fazer reservas e isso me deixou inquieta. O tradicional “tá de boa, mãe” me tranquilizou e lá fomos nós para uma negociação com o taxista. Sim, eu disse negociação. Fernando havia aprendido o básico de bahasa , dos costumes e tudo o mais. Chegava a dizer que por ele ficaria o resto da vida por lá.  

O táxi parou em Ayu Guna Inn, uma pousada simples e charmosa em Pecatu, com bangalôs espaçosos, perto de bons restaurantes porém…. sem banho quente. Fernando estava literalmente em casa e eu encantada porque aos poucos iam aparecendo amigos e eu sendo apresentada à moçada, a maioria homens, todos surfistas de diferentes partes do Brasil e do mundo. Havia muito tempo que eu não sentia tanta tranquilidade como a que senti naquele lugar. 

Claro que, a mãe reclamona e que não conhecia o significado da gíria rooteza (sem luxo, complicado, ou até mesmo tranquilo quando comparado à natureza) veio à tona: reclamei do chuveiro não ser elétrico. A resposta foi: “Mãe, deixa de ser fresca, com baita calorão tu queres banho quente?  E outra: banho quente só em hotel de luxo”. Compreendi que eu estava numa pousada onde a temperatura da água do chuveiro era absolutamente um detalhe e o mais importante estava baseado no swell (conjunto de ondas preferidas de 10 de cada 10 surfistas) do dia seguinte ou para a semana toda e em qual praia. Tudo estava no lugar certo. Passei a contar até 10 e entrava embaixo do chuveiro frio. Logo me acostumei com a água, que nem era tão fria. 

Bali

A Mama balinesa

Em “Felismina as angolanas e outro sentido da palavra mãe” contei que aprendi que a palavra mãe pode significar mais do que parir alguém. Em Bali eu estava diante de uma mulher simpática que falava pouquíssimo inglês e também me daria provas de que as mulheres, em qualquer parte do mundo, são cuidadoras desde que aprendem a caminhar. É como se nascessem com esse destino: cuidar de quem delas precisar. 

Com ajuda do Fernando, a balinesa e eu compreendemos que uma era a mãe do “Bali boy”( como ela chamava o Fernando) e a outra simplesmente a Mama que havia cuidado do meu filho quando ele adoeceu por lá (teve uma beribéri). Fiquei imensamente agradecida aquela mulher por ter sido solidária e generosa com ele. Era impossível não simpatizar com a Mama, embora eu tenha sentido uma pontinha de ciúme quando Xis me falou que finalmente eu conheceria a Mama. Aliás, não foi só ciúme, me coloquei no lugar dela depois de saber, com detalhes, como tinha sido a tal beribéri. Caramba, pensei eu ao ouvir a história passada a limpo sem palavras suaves, por isso Fernando havia sumido alguns dias. Havia ficado tão fraco (nada parava no estômago) que ficou direto num quartinho improvisado pela Mama. 

Mama foi me mostrar a lojinha de produtos tradicionais de Bali e me contou sobre o terremoto que Fernando vivenciou por lá. Ele havia me contado a história, mas ver as rachaduras nas paredes me deixou de cabelo em pé – e enquanto estive por lá me perseguia a sensação de que a terra poderia tremer a qualquer momento. 

Até hoje guardo com carinho e dou risada do susto que levei ao ouvir a narrativa de Mama sobre os cuidados com o “”Bali boy”. 

Massagem curadora

Além de Mama, a “tiazinha” que me massageou enquanto eu tomava sol na praia de Balangan e espantou a dor ciática que consumia minha perna esquerda também habita minha memória.. Ela não era uma velhinha, mas possivelmente a pobreza e o rigor da vida haviam massacrado tanto aquela mulher de mãos mágicas, que a aparência do seu rosto e a completa falta de dentes a tornava uma avozinha.  E dizer que no começo, assim que ela surgiu na nossa frente e ofereceu o serviço de massagem (bem comum por lá) eu não topei.

Pensei: já estou com dor, não vou arriscar piorar. Mas Fernando tinha muita fé no conhecimento empírico dos locais e garantiu que seria uma boa. O melhor argumento dele foi ” ela precisa de dinheiro e a massagem é o trabalho dela”. Pra nós não é nada e prá ela é muito”. Pronto, ele me convenceu. Fiz a massagem. Hoje, quando meu ciático,  este nervo rabugento e mal humorado, resolve ficar de bronca comigo penso o tanto que seria maravilhoso ter a “tiazinha”da massagem (como dizia o Fernando) por perto, com suas mãozinhas magras e mágicas a passar aquele óleo feito por ela mesma. 

A foto que os seguidores do Instagram elegeram para essa história de Por onde andei depois que saí da aldeia?” foi na praia de Balangan, onde pequenas piscinas se formam entre o mar, a areia e os recifes. Lá e em muitos outros recantos que o Xis elegeu para me apresentar sua amada Bali, eu desejei que o relógio parasse, que o calendário fosse esquecido e que por algum tempo a gente pudesse ficar ali, curtindo aquele pôr do sol inesquecível. 

Eu sou grata ao meu Xis por ter me mostrado um mundo que eu desconhecia – e não só pelo ângulo geográfico, mas especialmente sob os detalhes que tornam o homem feliz, como amizade, um mar a perder de vista, natureza, respeito, vida simples e coração aberto a novos conhecimentos. Para além da foto de Balangan, Bali e seus “secrets points”, como dizia Xis sobre recantos que ele descobria, entre eles praias onde os turistas não iam, é mágica. Se vocês quiserem outras histórias de lá, como as duas horas em mar furioso para chegar a Gilil, em um barco que voava sob imensas ondas e fede a gasolina, ou porque eu chorei ao aplaudir o pôr do sol, me digam nos comentários. Ficarei feliz em contar. 

Como disse lá no começo, essa não é uma história para lágrimas porque conto uma história vivida com meu único filho, que partiu há dois anos depois de ter lutado bravamente contra um tipo raro de câncer hematológico que, ironicamente, só teve o diagnóstico em Bali. 

Ter vivido com Fernando essa e outras histórias me faz sentir imensa gratidão e paz. O choro e o luto fazem parte da vida de todos nós. Sei, no entanto, que é preciso ter vivido muito intensamente para ser chamado pelo Senhor do Universo para surfar do outro lado do caminho. Então, mais um aprendizado que ele me deixou: falar e escrever sobre a vida e a morte sem rodeios, sem lamentações, pois ambas fazem parte da nossa existência. 

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19 comentários
  1. Linda história, linda viagem e muitas saudades do meu amigo Xis ou Xixo como eu chamava ele, fico feliz em saber destes momentos lindos que vcs passaram juntos, um beijo grande aqui de Bagé/RS!
    Ass: Márcio Reis

  2. Coisa boa ler e reviver essas memórias…
    Obrigado pelo texto Mãe Deva…encheu meu coração de sentimentos misturados…
    Uma honra ter sido parte nessa vida e que venham muitas mais pra nos reencontrarmos todos …
    Um beijo no coração

  3. Esse era o Xixi, como eu costumava chamá-lo, foi um honra conviver com ele e poder ler esses textos feitos por ti com tanta leveza sobre esses momentos que viveram juntos!?❤️

  4. Que delícia de texto, Deva! Me levou para outro mundo, me trouxe tanta verdade e emoção! Continue nos presenteando com as vivências, percepções e as palavras! Quero saber porque você chorou ao aplaudir o pôr do sol!

  5. Belo texto Deva????
    Sou grato ao Xis por me mostrar varias vezes o sentido da vida perto da natureza e desbravando o desconhecido, um amigo que deixa lições valiosas para seguirmos em frente.
    Me identifiquei com o “viajar sem marcar hotel” hehe, na California aprendi a relaxar durante o dia sem saber também onde íamos dormir, teve um dia que deixei rolar e la pelas 22h ele me perguntou onde íamos dormir…tentei responder um “sei la” bem tranquilo mas eu ja esperava por essa pergunta há horas kkkkkk. O que mais me chamou atenção nessa trip foi a quantidade de amigos que ele tem em todos cantos do mundo, na California encontramos varios amigos que ele conheceu na Australia e todos muito saudosos contando histórias engraçadas que ja haviam passado juntos. Agradeço por ter tido a oportunidade de conhecer, conviver e aprender com uma pessoa tão legal e disposta a aproveitar a vida?.

  6. Viver é ter histórias para contar aqui e lá, chorar de chorar e chorar de rir, não importa. Ter saudade e saudar, vontades e desejos de voltar e arriscar de novo, a isso nominamos de percurso, estrada, caminho e vida. Esses pretos sabem disso.

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