Apenas três ou quatro botões de camélias abriram neste inverno, enquanto ano passado a planta ficou lotada de flores. Não devo ter cuidado suficiente dela, talvez falta de água, talvez o solo esteja pobre. Fiquei olhando com tristeza meu pé de camélia e em voz alta fiz uma analogia: assim ocorre com nossos afetos, com as amizades que, sem o cultivo cuidadoso aos poucos deixam de florescer. Tenho muito forte o sentimento da importância dos afetos, do fortalecimento dos laços – muitos nascidos na infância, na época de faculdade ou no local de trabalho.

É natural que alguns (ou muitos) laços se rompam, ou fiquem frouxos com o tempo. Faz parte da própria vida deixar de ver amigos, perder o contato com o passar dos anos. Mas é igualmente natural cuidar deles, querer saber como estão. Ao contrário do que viveram nossos pais e avós, fatores geográficos não nos impedem de estarmos próximos dos nossos afetos: temos “n” ferramentas tecnológicas para evitar que amizades carregadas de camaradagem, respeito e admiração se percam nas voltas que a vida dá.

Se por um lado a tecnologia pode ser prejudicial, sendo às vezes contestada por profissionais de diferentes áreas, por outro sabemos que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que incluem todos os meios técnicos usados para tratar da informação e da interação social, ou seja, desde o hardware de computadores, redes e celulares, entre outras ferramentas que fazem parte do cotidiano das pessoas, nos ajudam no cotidiano.

Tenho me dedicado a observar e a ouvir a opinião de amigos sobre como as TICs podem e têm ajudado os maiores de 60 no dia a dia deles. Muitas pessoas, entre elas eu, já localizaram ex-colegas, receberam daquela amiga que não abraça há anos foto do primeiro neto pelo direct do Instagram, pelo whats marcaram um encontro presencial após a quarta dose da vacina contra Covid. Nem sempre são alegrias as informações nas redes: a finitude da vida também desembarca na telinha do celular em forma de aviso sobre a partida de uma pessoa querida.

Ohayōgozaimasu, bo ni-san! Sono yō na
Costumo comemorar minha aposta na dupla TICs e amorosidade cada vez que recebo as mensagens cotidianas do meu amigo Bonifácio Nakasu. Aos 78 anos, aposentado, ele tem uma caprichosa rede de contatos no Whatsapp, formada por ex-colegas e amigos. Boni envia textos curtos, objetivos e que chegam pontualmente até às 7h, sempre com curiosidades sobre o tempo e frases animadoras para dar um up na galera que recebe. É a única pessoa com quem arrisco colocar em prática o que restou do meu japonês pobre, quase esquecido no baú do tempo.

São tão pontuais as mensagens dele que quando Boni deixou de mandar um whats, fiquei preocupada. Aliás, os amigos em comum também. Ficamos trocando mensagens para saber o que havia acontecido. Descobrimos que nosso amigo “Japa” havia sofrido um problema cardíaco e estava hospitalizado. Foram dias sem que a campainha do celular tocasse, sinalizando que o “Japa” havia voltado à ativa.

As TICs são apenas pontes. Se não nos rendemos ao cultivo amoroso do jardim das amizades, nenhuma tecnologia funciona. Embora a tribo etarista insista no discurso que somente jovens são “ligados” nas TICs, os maiores de 50, de 60 …. 70 provam o contrário. Eva Biachi, radialista aposentada, desde sempre teve curiosidade pelas tecnologias da comunicação. Ela é uma das minhas amigas que circula em todas as redes sociais e com quem nunca deixei de conversar, desde o tempo do Orkut, mesmo eu estando fora do Brasil.

Acredito nos pontos positivos das tecnologias para cidadãos velhos e na relação destas com a interação social, sendo isso reforçado na pandemia da Covid, quando por dois longos anos ficamos confinados em casa, fugindo de um vírus. No presencial ou no digital o importante é não permitir que nossos afetos sejam deletados. Não se deixe enganar com a conversa mole de que velho tem dificuldade para compreender as TICs. Vamos combinar que a fita K7 era bem mais complicada do que o Spotify, pois quando resolvia engasgar e morrer toda enrolada, lá se iam nossas músicas.

Então, vamos aproveitar os mil e um conhecimentos da Alexa (ou Echo Dot) e pedir para ela fazer uma ligação para o celular daquela amiga que você deixou de ver no século passado, quando ela mudou para outro Estado. Pode ser um belo momento de aproximação, com risadas sobre aquela balada inesquecível em que vocês pareciam um par de vasos vestidas com pantalonas de veludo e suéteres gola alta.

Afetos, e isso inclui todos os seres que respiram, precisam de atenção, de cuidado, respeito e amor. Não espere a próxima estação do ano para lamentar que o pé de camélia não floresceu. Cultive seus afetos, com afeto – no digital ou presencial. Se não for assim, não haverá camélias no teu jardim.

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6 comentários
  1. E como você tem razão! Quem não cuida das amizades acaba só e amargurado. Somos abençoados por vivermos na época atual. Seremos velhinhas conectadas com as nossas camelias!

  2. Verdade! Quando bem utilizadas, as TICs são ferramentas perfeitas para aproximar pessoas e manter relações, inclusive dando a oportunidade do encontro presencial que nos últimos tempos foram tão raros. Lindo texto.

  3. Adorei. Li pensando na minha mãe, com 81 anos, avessa a tecnologia e que nos preocupa, por morar longe e sozinha. Minhas irmãs tem este discurso :- olha a idade dela! Mas eu já presenciei uma senhora de 94 anos de idade fazendo curso básico para aprender a utilizar e-mail, WhatsApp é Facebook.
    Talvez uma Alexa seja bom para a minha mãe.
    Eu, embora utilize a tecnologia, seja por profissão ou diversão, adoro um papel e caneta, livro físico cheio de grifos, entre outros.
    Este preconceito da dificuldade devido à idade é mais um assunto a ser discutido. ❤️

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