Estava acostumado aquele silêncio, rompido apenas pelo miado do gato. Sem o companheiro de tantos anos, ele só teria o silêncio profundo e uma nuvem de fumaça à volta, resultado dos cigarros que “engolia” compulsoriamente.

Ele tinha um humor ácido com os vizinhos, que o achavam estranhamente azedo. Ele também achava toda a vizinhança estranha e na estranha vida que levava não havia lugar para visitas, amigos e família.

Havia lugar para Rachid e Marisa, a faxineira, ouvinte das queixas, das histórias, das piadas e dos acontecimentos do trabalho. Marisa e Rachid eram os únicos seres que conheciam aquele minúsculo apartamento onde morava aquele homem solitário, de bom gosto e que escondia uma alma sofrida.

Devota de um santo para cada dia da semana, Marisa rezava para ele ter um amor, se aproximar dos familiares, enfim ter alguém para tomar o café da manhã – além de Rachid. De cima de um taco de 15 centímetros, Marisa subiu a escadaria e colocou a chave na porta do apartamento 301. Ouviu risadas. “Que estranho, risadas na casa dele”, resmungou a faxineira que em mais de 20 anos de convivência nunca havia ouvido nada parecido naquela casa.

Ficou indecisa sobre abrir ou não a porta. Mas, a curiosidade foi maior. E, afinal, era dia de faxina. Marisa finalmente tinha sido ouvida por um dos santos. Ela foi apresentada a Tomé, um quarentão bem-humorado que fisgou o coração do tutor de Rachid. Naquele sábado, ela colocou a mesa do café da manhã para três.

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Nesse 23 a ordem é descomplicar. Tirar-se da zona de desconforto (sorry Brené Brown) e procurar menos. Menos. Pausa.