Valioso para a saúde mental e física o sono nosso de cada noite merece mais atenção. Apesar de a humanidade não saber dormir desde a invenção da luz elétrica, a pandemia da Covid-19 deixou mais agudos os distúrbios relacionados ao sono, entre eles a insônia.

Lembrando: a insônia é apenas um dos distúrbios do sono. Como é tão comum quanto enxaqueca, abordei somente ela. Mas, outra hora podemos até fazer um texto menor sobre sonambulismo -que todos acham uma coisa boba e, muito pelo contrário, coloca em risco não só a vida do sonâmbulo como as pessoas que convivem com ele (ela).

O sono está cada vez mais raro

Embora esse transtorno não seja algo novo, com certeza está mais agudo devido à pandemia da Covid-19. Entrevistei o médico Nonato Rodrigues, especialista em medicina do sono da Unidade do Sono de Brasília e vice-presidente do Departamento Científico de Sono da Academia Brasileira de Neurologia, para saber se os brasileiros estão dormindo menos devido a preocupações com o coronavírus e suas consequências.

Fiquei surpresa com o que ele me disse: “não só os brasileiros, mas a humanidade inteira está perdendo o sono”. E, pasmem, de acordo com Rodrigues, neurologista-assistente do Hospital de Estrasburgo (França), passamos a sofrer de distúrbios dessa natureza desde que a lâmpada elétrica entrou em nossas vidas. Ou seja, ficar sem dormir é algo que vivemos há séculos.

No entanto, Nonato Rodrigues não descarta as consequências da pandemia enquanto uma vilã dos bons sonhos e diz que os profissionais da saúde estão extremamente exaustos devido às horas a mais de jornada e principalmente por terem de trabalhar sem equipamentos, tendo de escolher quem vai ou não ser levado para um respirador, situação limite que não permite tempo para cochilos – o que representa um atentado à vida deles.

De acordo com Nonato Rodrigues, a ligação entre a perda do sono e a invenção da luz elétrica se dá porque o homem passou a determinar quando começa o dia e a noite. Desde então, a humanidade se viu diante da chamada Síndrome do Sono Insuficiente de Origem Comportamental, que se caracteriza por um processo progressivo de perda de tempo de sono, pela troca do horário do tempo disponível, em benefício do trabalho, da vida social etc.

Em nossos dias pandêmicos, que desembarcaram no Brasil em março de 2020, e atualmente inquietam a população com o registro de mais de 300 mil vítimas do coronavírus, essa síndrome ficou mais aguda, pois estamos isolados e nossos laços sociais passaram a ser repensados e, alguns, até mesmo abolidos.

Vivemos um momento no qual paramos de buscar subterfúgios para os problemas e só temos uma alternativa: enfrentá-los. Só que, não são raras as vezes nas quais perdemos o sono na tentativa de fugir desse enfrentamento.

Nonato Rodrigues cita como exemplo dessa situação os casais que antes do distanciamento social iam para seus locais de trabalho e se viam no final do dia. Agora, em home office, dividindo as tarefas domésticas e os cuidados com os filhos, estão diuturnamente juntos.

Para muitos isso é ótimo, não significa uma alteração negativa em suas rotinas. Para outros, contudo, essa convivência pode se tornar um problema: é mais fácil fazer uma discussão de relacionamento (DR) quando passamos o tempo todo confinados em casa.

Segundo ele, esse é um cenário propício à ansiedade e, dependendo do que encontrarmos (em nós mesmos ou naqueles da nossa bolha), corremos sim o risco de termos depressão, pois em momentos de tantas incertezas e ansiedade, o que fazemos? Ficamos acordados.

As telinhas são inimigas de um boa noite de sono

Para além da ansiedade, das DRs, será que outros fatores acabam com nosso sono e nos conduzem por uma estrada onde, sem nos darmos conta acabamos fazendo paradas em patologias associadas à insônia ou que começam com ela ou, ainda, que se desenvolvem a partir dela?

Segundo o médico Nonato Rodrigues com certeza a perda de um sono reparador está relacionada sim ao uso de celulares e isso afeta jovens, crianças e adultos. Não há limites de idade. Ele conta que dados de antes da pandemia já indicavam que a utilização do smartphone é a principal causa de insônia infanto juvenil no Japão.

“Além disso, a vigência de notícias negativas que entram na nossa casa, no nosso cérebro e espírito através destas telas é excessiva. Quando chegamos em casa pensamos: está faltando alguma coisa. Aí nos damos conta que é o noticiário do Covid”, diz o neurologista.

Para ele isso se dá de forma masoquista, talvez patológica e que passou a tomar parte das nossas vidas. Tanto assim que pesquisas recentes demonstram que, pessoas com a média de idade de 35 anos, que assistem a mais de três horas diárias de noticiários a respeito da pandemia, têm mais chances de desenvolver uma síndrome de ansiedade-depressiva do que a que não se detém na frente de uma TV por esse mesmo período e conteúdo.

A insônia é como comer a primeira batatinha frita: não tem como parar

Casos de insônia e depressão nestes tempos de Coronavírus estão cada dia mais comuns e é preciso prestar atenção para não provar dessa bebida amarga que, em um mundo de pernas para o ar por conta de um vírus, deixa mais robusto o pacote das consequências que carregam essas patologias.

Para se ter uma ideia, desde o começo da pandemia, o número de pessoas que procuram ajuda no consultório de Nonato Rodrigues somente por conta desse transtorno do sono aumentou em oito vezes/dia. O mais impressionante é que infelizmente muita gente pensa que não dormir uma ou duas vezes por semana é normal.

Mas, aí reside um grande perigo: não dormir três vezes por semana durante três meses consecutivos é um sintoma fortíssimo de que você está sofrendo de insônia e que ela pode vir acompanhada da depressão ou provocá-la ou, ainda, em alguns casos, ter sido originada por essa doença.

Para o médico Nonato, por suas inúmeras consequências – especialmente neste momento complicado da humanidade, deixar de dormir é um caso de saúde pública, tamanho são os prejuízos – que vão desde complicações na saúde, passando por perda de trabalho, mudanças comportamentais e até mesmo casos de acidentes de carro, a insônia é um caso de saúde pública. “A insônia é como comer batata frita: é só começar que ela se mantém”, diz o médico ao comentar a possibilidade de esse distúrbio se tornar crônico.

Apesar das rotinas alteradas devido à pandemia, podemos sim apostar em noites de sono. Podemos sim não só desejá-las como colocar em prática medidas para isso. O importante é: mesmo sabendo que a vida deixa cicatrizes em nosso sono, devemos respeitá-lo. Confira algumas atitudes positivas para se deitar e dormir – e se mesmo assim não conseguir, não deixe para amanhã, procure ajuda médica:

Durma nas horas certas
Não fique na cama se você não está com vontade de dormir
Mantenha um ambiente propício ao sono (luz, temperatura, silêncio)
Evite eletrônicos a partir das 20h
Evite ver e ouvir notícias que possam despertar você ou tirar seu sono
Nos fins de semana não fique na cama, mantenha a rotina

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3 comentários
  1. Artigo muito importante e com dicas valiosas! A Insônia nos jovens é muito preocupante porque os dispositivos eletrônicos são a primeira coisa que procuram ao acordar e a última que largam ao dormir!

  2. Antes, perdia o sono, apenas quando tinha alguma preocupação – trabalho, contas a pagar ou doença de mãe, tia ou alguém muito querido. Hoje., aposentado, já no sétimo ciclo (72), o sono ficou leve, demora ou fico no dorme, acorda dorme. ACRESCIDO a isso, existe o vício do celular. São quase uma da madrugada e estou aqui comentando. Fazer o quê né. Boa madrugada, tentarei dormir.

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