Foi no verão de 1993. Eu estava então com 33 anos e morando novamente na Alemanha. Estava tentando sair de um relacionamento difícil, começando, mais uma vez, uma nova vida. Sentada sozinha no meu apartamento novo, para onde eu acabava de mudar-me, comecei a organizar minhas coisas e caiu na minha mão meu caderninho de endereços antigo.

Fiquei vendo aqueles endereços, me lembrando das pessoas e lá estava também o nome do Wolfgang, aquele alemão casado, você se lembra? Pensei: “por onde ele andará?” Fiquei curiosa, procurei seu nome na lista de telefones da cidade onde ele morava e este não constava, mas sim o nome de sua esposa, que ainda trazia o mesmo sobrenome dele. Resolvi então procurar seu nome na lista telefônica da cidade de Düsseldorf, onde ele trabalhava há dez anos e realmente o encontro! Constatei assim que Wolfgang e sua esposa moravam em cidades diversas, o que me deixava concluir que realmente haviam se separado. Minhas mãos tremendo, peguei o telefone e liguei para aquele número de Düsseldorf.

Ele atendeu. Ouvir aquela voz, depois de dez anos, foi muito emocionante naquele momento. Eu disse: “Você sabe quem está falando aqui?”
Ele respondeu imediatamente: “Susanne! Eu não acredito, meu Deus, você? Que maravilha!”

Fiquei muito feliz por ele ter imediatamente reconhecido a minha voz. Falamos durante algum tempo, ele me contou que realmente havia se separado da mulher, alguns meses depois do fim do nosso relacionamento. Haviam tentado levar uma vida agradável juntos, mas ele percebera que teria que dar-se a chance de uma nova vida. Após separar-se da esposa, havia tido alguns casos e até uma namorada mais séria, com a qual morou durante alguns anos, mas já há algum tempo estava sozinho. Trabalhava ainda na mesma empresa, agora em cargo de chefia, havia conseguido atingir seus planos de carreira.

Marcamos um reencontro. Eu estava de viagem marcada para Colônia, teria que visitar um dos escritórios da empresa onde eu havia começado a trabalhar recentemente e emendei um final de semana à tal viagem, podendo assim, encontrá-lo, pois Colônia fica próximo a Düsseldorf.

Wolfgang me pegou sábado pela manhã na porta do hotel onde eu estava em Colônia. Iríamos passar dois dias juntos, uma noite. Ele havia escolhido um hotel-spa de luxo, no campo, com um restaurante maravilhoso.

Tamanha foi a emoção ao nos encontrarmos. Seus olhos ainda tinham aquela ternura de sempre e me olhava ainda da mesma forma de antes. Mas ao mesmo tempo, ele estava muito diferente, havia ganho muita, mas muita massa muscular, de modo excessivo. Estava agora com 43 anos. Nos abraçamos longamente, nos olhamos, nos beijamos. E abraçados fomos para o seu carro, ele levando minha malinha. Seu carro já não era mais um Ford velho, mas sim um Mercedes conversível, daqueles grandes, numa cor dourada muito exuberante. Abriu o porta-malas e percebi que a minha malinha simples contrastava com a sua bolsa de viagem de couro, marrom claro, com emblemas da Joop.

Percebi também que tudo aquilo tinha se tornado muito importante para ele: mostrar seu status. E ele me contou que desde que mudara para o departamento de armas militares da empresa, passou a ter uma renda que o possibilitava dar às suas filhas e ter ele mesmo uma vida muito confortável. “Trabalhar neste ramo não é motivo de orgulho, mas alguém tem que fazer isso. E quem faz, é bem remunerado. Então, eu decidi entrar neste negócio. Um homem bem-sucedido tem mais sucesso com as mulheres”, explica. Esta frase me deixa triste.

Na enorme suíte que Wolfgang havia reservado para nós havia um grande buquê de rosas vermelhas e uma garrafa de champagne em cima da mesa de madeira nobre esperando por nós. Um terraço com espreguiçadeiras cobertas com muitas almofadas de linho grosso branco e uma divina vista para um campo onde cavalos pastavam mansamente. Tudo um sonho. Claro que não demorou muito e fizemos amor. Um amor que não me deu prazer, como havia me dado aquele amor que fazíamos desconfortavelmente dentro do seu carro velho. Alguma coisa estava diferente.

Tudo estava muito diverso dos tempos antigos, a essência de Wolfgang tinha mudado. Depois do amor feito, depois das conversas iniciais, onde contamos tudo o que cada um havia vivenciado durante os anos passados separados, tornou-se difícil achar assunto para conversar. Small talk. E Wolfgang contava muitas piadas, muitas, mesmo. Piadas sem graça, das quais só ele ria, e muito, às gargalhadas.

Jantamos. Wolfgang havia já encomendado de antemão um menu de cinco pratos, com os respectivos vinhos e uma decoração especial na mesa redonda grande, novamente enfeitada com rosas vermelhas em abundância. Tudo maravilhoso, mas algo estranho pairava no ar. Eu só queria que esta noite acabasse.

Na manhã seguinte, tomamos o café da manhã praticamente em silêncio e, ao invés de passar o dia com ele, pedi que me levasse à estação de trem. Nos despedimos com um abraço intenso e longo. Foi a despedida de um sonho vivido e acredito que sabíamos que não nos veríamos novamente.

Voltei para casa muito triste e muito mais sábia. Durante a viagem de trem tive tempo para pensar intensamente – até hoje adoro viajar de trem, é uma excelente oportunidade para refletir, vendo a paisagem passar pela janela. E cheguei à conclusão de que talvez tivesse tomado a decisão errada, dez anos atrás. Com medo da reação da sociedade em que vivia, com medo de prejudicar outras pessoas, neguei aceitar o amor de Wolfgang e me obriguei a esquecê-lo. Wolfgang era agora um homem infeliz. Eu também era infeliz.

A grande pergunta que pairava no ar: como teríamos, nós dois, nos desenvolvido, se tivéssemos vivido os 10 anos passados juntos? Será que ele daria tanto valor aos bens materiais? Será que estaria trabalhando com a negociação de armas? Será que passaria horas na academia e estaria tomando suplementos para adquirir um corpo exageradamente musculoso? Será que falaria tanta piada? Será? Será? Será? E eu? Estaria eu vivendo aquela história de amor atual tão complicada? Sofrendo muito? Jamais saberemos.

Mas uma coisa eu aprendi: que no futuro, seguiria meu coração, e não normas impostas pela sociedade ou pela família. E nunca mais me renderia às vontades de outros. Doravante, pensaria somente em mim. Pois eu sempre tive certeza de que Wolfgang me amara intensamente no passado, o que ele várias vezes disse neste último encontro. Mas o Wolfgang que eu amei não existia mais. E provavelmente eu também havia mudado aos seus olhos, pois ele não me procurou mais.

O que você acha? Devemos seguir as regras sociais, mesmo que isso custe a nossa felicidade? Tem um espaço para comentários logo ali embaixo. Eu agradeço o tempo que dedica ao ler a minha escrita. Para mim, uma honra.

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31 comentários
  1. Pois é amiga dificil reSpOnder a esta pergunta!!!! Pode ser que sim ou nÃo! Nas A sua coNsciÊncia esta tranquila e isto é muito importante!

  2. Acredito que sempre devemos dar espaço a nossa intuição, nos deixar guiar pela numinosidade que habita nossa consciência. O amor sob suas múltiplas facetas sempre nos trará aprendizados necessários.

  3. Nem sempre romper a regra garante felicidade. Ainda que voce nao tenha ficado com ele, seguiu seu coracao na epoca e isso te deu mais paz que arrependimento. Encobtros que nem sempre sao pra ficar. Sao apenas para viver e lembrar. Que hj vc esteja feliz?

  4. Regas foram feitas para serem quebradas. Portanto, poderias ter rompido com as regras sociais e ter vivido intensamente com o alemao do SObretudo marrom. Porem , Nada ack tece por acaso. Ou seja, decidir pelas regras por conta da imaturidade tipica da juventude faz parte da caminhada. Acredito que, se fosse ele o seu amor, de fato, teria sido diferente. Foi o que tinha que ter Sido: um grande aprendizado. NINGUÉM emtra em nossas vidas por acaso.

    1. É verdade. ninguem entra na nossa vida por acaso. tudo tem seu propósito. obrigada por seu comentario, querida. bom ver voce aqui.

  5. Eu acredito que nada é por acaso na nossa vida. acredito que no fundo você sAbia desde o começo que tomou a decisÃo certa, atÉ porque o que o mudou não foi a sua ausÊncia, mas o que infelizmente acontece com muitos, o que o mudou foi a prÓpria cobiça E exibicionismo, e como ele viu que isso nÃo te impressionou ele não te procurou mais, e acredito que mais cedo ou mais tarde esse novo “eu” dele iria aparecer.

    Por isso sou amante das coisas simples, elas nÃo ofuscam a beleza do momento.

    Minha opinião.

    1. Sabe Que você pode ter razão? Talvez, se tivéssemos ficado juntos naquela época, o relacionamento nem tivesse dado certo! Pois se ele – Mesmo em minha companhia Tivesse se tornado o homem que se tornou, eu nao FicaRia com ele. Ou seja: tuDo certo! Beijo! Obrigada por sempre me seGuir aqui, querido!

  6. Não devemos de todo, sub eternos ás “regras” impostas pEla sociedade!
    Não há Certo nem errado, cada um tem o seu modo De ser e de pensar, e está tudo bem. Porque é a BAGAGEM que tem.
    Você sabe como eu amo as suas Estórias! Continue. Beijo

  7. Pensei que vcs IAm ficar juntos,e que suspense maravilhoso,sei que não é fácil,mas admiro quem faz o que o coração manda sem pensar nos outros,precisa coragem,mas TB é preciso coragem não obedecer o coração ,sofrer, renunciar,pq pensa nos outros, principalmente na família como foi o seu caso.

  8. Susanne, querida
    Não imaginava esse desenlance, incrível a sua capacidade de criar um suspense, sanar a nossa curiosidade e criando outro suspense. Não passou pela minha cabeça que ele tivesse mudado tanto com o passar dos anos, aliás, todos nós mudamos, mas o importante é manter a essência do que somos; imagino que o passado tinha repousado e o presente era outro. Esse “será” sempre vai ser esse nosso alfinete cravado na alma, não é possível mesmo saber o que iria acontecer. Por outro lado, Diante dessa penumbra de convenções, acredito piamente que as nossas decisões devem ser a prioridade.
    Parabéns pela escrita. Consigo criar imagens de todos os acontecimentos.
    <3

    1. Querida! Muito obrigada pElas suas palavras tao cheias de motivação para mim. São o combustível que me faz ir adiante. GRatidão!

  9. As convenções da sociedade foram criadas por pessoas como nós, mas que em algum momento tiveram o poder de influênciar e ditar regras. Então me pergunto: quem disse que tem que ser assim? Infelizmente, na grande maioria das vezes seguimos os protocolos, por conveniência, medo, acomodação… não arriscamos, e deixamos a vida passar. um tempo sem volta. normalmente um um relacionamento extra conjugal, os homens não tomam decisões, sempre são as mulheres, já reparou? O Wolfgang é uma exeção.

    1. Sim. Já reparei. Ele realmente foi uma ecceção. E eu, muito jovem para entender e seguir o caminho do meu coração. Obrigada por ler, por comentar. E vamos seguindo…

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