Envelheço sob a capa da invisibilidade. Não é um superpoder, ainda que me pareça um tremendo privilégio quando, em pânico, cavuco um buraco imaginário no assoalho para desaparecer. Na casa que me recebe em silêncio respeitoso, desapareço com gosto.

Estou em uma cidade que não para de crescer, mas que parece sempre a mesma cidadezinha do interiorzinho (escrevo isso com carinho), que me oferece o melhor dos mundos. Fecho as cortinas para evitar que o dia me absorva, que os vizinhos saibam que estou aqui.

Sempre estou aqui. Gosto de estar aqui. O cheiro de baunilha do difusor de ambientes é o melhor aroma do dia. Gosto mesmo de estar aqui. Cores primárias nos móveis sem função, paredes sem emoção. Quero pintá-las eu mesma. Pensei em tons de nectarina, e em uma palavra para fazer uma rima.

Melatonina. Já me disseram faz tempo que é tomar e dormir. Será? “É verdade”, eles disseram. Também já ouvi dizer que quanto mais se envelhece menos se tem sono. Só sei que depois dos 30, nunca mais dormi como uma menina. Se por excesso de alguma coisa muito doida ou doída, se por falta daquele sossego genuíno que meu cachorro ostenta diariamente na fuça amarrotada, só sei que envelheço na surdina, desafiada por marcadores astrológicos e geracionais.

Astrologia para culpabilizar os planetas retrógrados. Crise existencial a cada 7 anos vividos. Manchas de sol nos dorsos das mãos. Sardas, melasma, despigmentação e espinhas. Ouvi de uma professora de literatura que manchas são manifestações de senilidade. É como dizer que o tempo passou sem precisar dizer que o tempo passou.

Tenho em mim alguns sonhos profundos, mas pouca ou quase nenhuma concretude fecunda. Perco-me com maestria nas alegorias da minha essência imaginativa. E o que me conforta é ser criativa. Cinco projetos de livros pela metade, poemas rascunhados, desenhos mal acabados e sonolência perene.

Cheguei a cogitar uma menopausa precoce por conta da sudorese noturna. Todo dia é um lençol que se vai pra espuma. Depois de muitas picadas e investigações laboratoriais, nada demais me mostraram os exames. Que vexame! Não tenho respostas hormonais para o sintoma que me deixa sem pijama.

As escolhas dos primeiros 40 anos foram incidentais. Tenho fé que os caminhos dos próximos 40 sejam propositais.

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Nesse 23 a ordem é descomplicar. Tirar-se da zona de desconforto (sorry Brené Brown) e procurar menos. Menos. Pausa.