Hoje é “dia de rock”. E assim que Leila chama os dias em que faz sexo. Leila sente algo no ar, logo pela manhã ao acordar. Já se passaram três dias desde a última vez. Ele quer. Precisa. Verdade que homens precisam fisicamente de sexo, para terem uma vida feliz, plena? Pensa. “Vou ler sobre isso.” Há tempo que quer ler sobre isso, mas nunca o faz. Há tanto o que ler!

O tempo passa cada vez mais rápido, são tantos os seus interesses. Leila defende a tese de que “ter tempo” é uma questão de priorizar as coisas. Provavelmente o assunto então não é tão importante assim para ela, pois se o fosse, ela já teria tido tempo para se informar. E vai deixando a tal leitura para depois, pois saber tal coisa não mudaria em nada a sua vida: ela vai ter que continuar fazendo sexo com o marido, queira ou não. Seja isso para ele uma necessidade física ou não. Ele quer, ela faz. Ela quer. Paz.

Hoje é dia de rock. Antes de que ele se insinue, Leila toma a iniciativa e diz logo no café da manhã, num tom doce de voz: “O que você tem na sua agenda hoje? Se tiver tempo, poderíamos nos deitar à tarde um pouquinho, juntinhos…” É importante para Leila que a iniciativa parta dela. Descobriu que tudo fica muito mais suportável se for ela a ditar as regras. A dizer quando e como.

Já é de tarde. Wolfgang sai para dar sua volta rotineira com o cachorro, como faz todas as tardes, por volta desse horário. Leila vai ao banheiro, se depila, se perfuma, se lubrifica, enquanto pensa no que vai vestir. Sem vontade nenhuma de se trocar, veste uma camisola curtinha vermelha, transparente, um trapinho de renda mesmo, que sabe ser uma das prediletas de Wolfgang.

Calça os sapatos de couro de crocodilo, salto 13, sola vermelha, aqueles sapatos que compraram juntos na Königsallee, avenida das grifes na cidade chique de Duesseldorf, quando nem eram casados ainda. Pensa: será que teria aqueles sapatos, caríssimos, não estivesse vivendo com Wolfgang? A camisola certamente não teria. Jamais a teria escolhido. Mesmo porque vermelho não é a sua cor predileta. Não possui uma peça sequer em vermelho, a não ser aquele fiapo de camisola.

Ouve a porta se abrir lá embaixo. Wolfgang retorna do passeio com o cão. Se apressa para o quarto, deita-se sobre os acolchoados, se enrosca nas almofadas, diva, esperando Wolfgang que sobe as escadas. “Estou aqui, querido”, sussurra. “Que maravilha, que linda você está, aí, deitada assim. Deveria fazer uma foto.” Mas Wolfgang não o faz. Ele não sabe fotografar. Não tem sentido de proporções e luz, suas fotos são, na maioria, imprestáveis. “Ah, deixa pra lá, amor, vem…”

Muitas vezes, principalmente nessas horas, Leila pensa que teria dado uma excelente atriz. Se pega representando com bravura esse papel de esposa apaixonada e fogosa, se pega encenando um orgasmo de tal forma sutil, consegue mesmo até imitar sua vagina latejando como se estivesse gozando, o faz apertando e afrouxando seus músculos pélvicos. Tudo isso para deixar seu marido feliz e satisfeito no seu papel de homem viril.

Estando ele feliz e satisfeito, ela fica em paz. A paz que tanto procurou a vida inteira. Wolfgang e Leila adormecem abraçados e ela somente acorda quando o marido lhe dá um beijo no rosto e diz baixinho: “Quando te vejo assim, dormindo, tão serena, sinto que fizemos tudo certo. Te amo tanto!”

Leila quase sente um quê de culpa, remorso, por mentir, encenar um desejo não existente. Mas tal sentimento logo passa, ela se lembra que tinha colocado lentilhas de molho para fazer no jantar. Levanta-se cantarolando da cama e vai vestir suas calcas jeans para descer para a cozinha, pois a vida, ah! a vida continua…

E você, acha que Leila tem motivos para se sentir culpada em fingir para o marido?

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