Eu levei muito tempo esmiuçando o caso, para conseguir entender algo que sempre pareceu estar muito claro, para mim: toda vez que se exige demais de um grupo muscular que não foi trabalhado ou fortalecido, ele perde a capacidade de sustentação, ficando flácido.

Dá para mal compararmos com um elástico que, se for muito esticado, vai ficar frouxo.
Faz sentido?
Explico melhor.
A minha paciente me contou que teve uma história de intestino preso durante a maior parte da vida, segurando as fezes para não ir em qualquer banheiro e tendo que fazer força para evacuar quando já estava tudo endurecido e ressecado, ao chegar em casa.

Depois de alguns anos, começou a perceber que, ao se limpar, o ânus ficava mais aberto, além de dolorido. Com a situação se repetindo, o esfíncter (torneira do ânus) foi perdendo a força e não conseguia mais segurar as fezes que chegavam ali na ampola retal (reservatório que fica atrás do ânus), e não eram eliminadas.

Então, ela começou a sujar a calcinha frequentemente.
Depois, perdeu a capacidade de segurar fezes mais amolecidas.
Quando a conheci, ela mal segurava o que chegava no reservatório, e ia borrando as vestes durante todo o dia.
Chamamos isso de incontinência anal que, em casos como o dela, são uma consequência de anos de constipação intestinal.

Comer poucos vegetais, tomar pouca água, segurar as fezes que ficam acumuladas e cuja água vai sendo absorvida, transformando-se em pequenos tijolos a serem eliminados e que dilatam a ampola retal, é um caminho sem volta.

Aparecem então as repetidas infecções urinárias, alguma perda de xixi, e está formado o quadro que ela tinha, e do qual tanto se envergonhava, driblando para esconder de todos.
Culpa? Nenhuma, jamais.

É tudo uma questão de desinformação, e faz parte de um hábito de criarmos as nossas filhas com vergonha de usar o banheiro fora de casa, com um conceito de que fazer as nossas eliminações quando der vontade, ainda que em ambiente estranho é algo feio, inadequado, e que as pessoas vão estranhar o barulho e perceber o cheiro, dentre tantas outras que ouvimos pela vida…

Depois de tanto ouvir isso, quando nos virmos sujando a calcinha de fezes ou de urina, certamente teremos vergonha, e nos fecharemos mais e mais, distantes de um tratamento que solucione o problema.
Mas, e a minha paciente, como ficou?

Fizemos um plano de reeducação intestinal, e ela aprendeu a ter um período do dia reservado para evacuar em casa, diariamente. Isso só deu certo porque se comprometeu com uma dieta rica em vegetais diversos e com muitas folhas, a comer uma laranja com bagaço, a continuar na rotina de beber muita água até 2h antes de dormir e jamais adiar uma ida ao banheiro quando tivesse vontade de urinar ou evacuar, ainda que fora de casa.

Entramos em um programa avançado de fortalecimento dos músculos pélvicos, com foco na contração do ânus, depois de um bom trabalho de biofeedback, para melhorar a percepção das fezes na ampola retal. Foi um longo ano juntas e, conforme ela melhorava e adquiria autonomia, eu aprendia e me sentia motivada a aprofundar os estudos na área.

Devo a ela muito do que sei hoje, e decidi começar a escrever neste blog contando o seu caso, como uma homenagem, torcendo para que cada leitora possa aprender um pouco sobre um problema de saúde tão triste, quanto difícil de ser enfrentado. Hoje nossos encontros são raros, ela me acompanha no perfil do Instagram e, vez ou outra, conversamos sobre os azimutes da vida.

E, por falar neles, estou tomando fôlego por aqui, pois no próximo episódio vamos falar de abrir as janelas para enfrentar as dores do adoecimento.
Que não são poucas…

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