Não há dúvidas de que o desejo coletivo e subjacente à maioria dos desejos individuais para 2021 é que a pandemia seja equacionada, com vacinas disponíveis em todos os países e que pessoas possam retomar seus planos e vidas, sem o receio de uma nova cepa do vírus ou a ameaça de um governante desprovido de humanidade. Enquanto esse desejo coletivo, que soa utópico em algumas de suas nuances, não se materializa, eu vou refletindo sobre os meus desejos, egoístas e elitizados, para 2021.

Eu quero desistir de sonhos, tirar o pé do acelerador, me envolver em menos novos projetos e viver mais devagar.

Não quero ver todas as séries da Netflix ou da Amazon Prime, mas quero ver uma ou duas que me apresentem novas perspectivas, culturas, personagens mais reais, com dentes ligeiramente tortos e físico desleixado.

Não quero postar nas redes sociais que estou lendo todos os novos “best-sellers”, além dos clássicos, que me fazem parecer intelectual e descolado, sem, contudo, alcançar a página 100. Em contrapartida, quero ler alguns livros ao longo do ano, com intervalos de reflexão entre eles, cujos autores e autoras reflitam minha sede por diversidade, não se limitando à visão eurocentrista do mundo e que contribuam com a ampliação do meu olhar sobre o outro.

Não quero aceitar todos os convites de jantares ou aniversários, quando o distanciamento social afrouxar. Contudo, quero conhecer pessoas que possam me ensinar coisas novas, além de estar com os amigos que demonstrem consciência de sua posição socioeconômica privilegiada e que busquem transformá-la em benefícios aos demais. Quero mais que nada estar com pessoas que respeitem a minha preguiça social e entendam que não se trata de falta de interesse, mas sim de saúde mental.

Não quero conhecer os lugares da moda, nem fazer aquela viagem. Não quero ler todas as notícias, mas quero escolher com cuidado onde busco minha informação diária. Não quero competir para ser o melhor, mas quero trabalhar de forma ética e colaborativa, contribuindo para o sucesso do grupo. Não quero mais buscar validações externas e quero ser respeitado na minha individualidade e nos meus finais de semana.

Se conseguir tudo isso, me pergunto: o que vou fazer com todo esse tempo livre?  Ah, sei lá… Quero me tornar cada vez mais um hipster clichê que cuida de plantas, consome localmente, paga caro pela simplicidade e reza para não ser papagaio de pirata em stories no Instagram, filmadas por turistas e clientes sem noção em hotéis e restaurantes. Quero ser mais eficiente e concentrado no trabalho, guardando tempo livre para quem sabe fazer absolutamente nada.

Quero ter tempo para me educar sobre preconceitos estruturais e ter tranquilidade para tomar decisões que levem mais propósito à minha vida e quem sabe poder gerar impactos positivos aos que estão à minha volta. Tudo isso com grandes e prazerosos intervalos do mais puro ócio “não-criativo”.

Se eu conseguir ser esse perdedor às avessas, 2021 terá sido um ano bom. 

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3 comentários
  1. Que maRavilha essa reflexao…É myito bom nos darmos ao luxo de nao termos metas e objetivos a serem cumpridos…Nos darmos o prazer De estarmos com nÓs mesmos e serMos felizes e realizados assim.

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