Sim, eu disse para mim mesma que teria que me livrar daquele homem casado, pai de duas filhas e que, na verdade, eu mal conhecia. Mas onde fica a razão, quando se está apaixonada? Após aquela revelação, passei a maior parte do fim de semana no meu quarto, sentia um aperto no peito, uma saudade, um desejo de vê-lo, um medo. Uma enxurrada de sentimentos e a sensação de estar muito, muito sozinha. Chorava baixinho. “Não, não irei mais encontrá-lo”, foi a minha decisão.

No domingo à tarde, minha tia: “Telefone para você – um homem chamado Schneider”. Quase morri, era Wolfgang. Esse era o seu sobrenome. (Aqui na Alemanha, sempre usamos os sobrenomes quando nos dirigimos a pessoas pouco conhecidas.) “Preciso te ver hoje à noite. Eu passo para te pegar. Não estou aguentando essa situação.”

Razão

Eu disse que não queria mais que me ligasse, que por favor me deixasse em paz. Minha tia naturalmente havia saído da sala para me deixar à vontade ao telefone. Etiqueta era com ela. Mas depois, antes que ela me enchesse de perguntas, fugi rápido para o meu quarto. Naquela noite, nem jantei.

Segunda-feira pela manhã eu tomei o trem como de costume e desta vez levava na bolsa tudo o que precisaria para ir para a academia após o trabalho. Não havia nenhum encontro marcado para um café à tarde e assim deveria ser, daqui para frente. Eu iria me dedicar novamente ao esporte.

Estava já na academia, treinando, na verdade sem a menor vontade, sem motivação, quando vi o treinador acompanhando um cliente novo e mostrando a ele as instalações. Você pode imaginar como me senti, quando percebi que o novato era o Wolfgang? Havia sido um erro contar para ele que treinava ali?

Como vocês podem imaginar, por muitas vezes eu tentei ignorar a sua presença durante os treinos. Mas Wolfgang sempre me dirigia a palavra na academia, e eu não sei como ele fazia, mas nos dias em que eu não treinava, ele estava também no trem. E andava todos os vagões, que eram poucos, até me encontrar e sentar-se ao meu lado.

Aconteceu o que teria que acontecer: recomeçamos nosso relacionamento. Um relacionamento proibido, escondido. Nos encontrávamos sempre que possível, e, como na Alemanha não há motéis, como existem no Brasil, onde casais podem ter um lugar confortável para se amarem, o jeito era fazer amor no carro, nos bosques.

Razão

Passávamos sempre mais tempo juntos. Marcamos um passeio de bicicleta numa tarde de domingo e Wolfgang foi me buscar em casa, ocasião em que eu o apresentei para meus tios, morrendo de medo. Mas antes que eles pudessem fazer perguntas cujas respostas não queríamos, não poderíamos dar, nos despedimos rapidamente.

Ao chegar em casa à noite, minha tia fez muitos elogios, como o Wolfgang fora bem-educado, com um modo muito inteligente e sofisticado de falar, uma excelente aparência, queria saber sua profissão, onde trabalhava. Tudo isso eu pude responder, mas antes que viessem outras indagações mais pessoais, subi para o meu quarto, desculpando-me estar cansada devido ao passeio.

Eu estava amando de verdade aquele homem. Via nele tudo o que sempre desejei para mim. E ele parecia estar fascinado por mim também, o que me deixava feliz, mas ao mesmo tempo muito preocupada. Que fim teria aquilo? E por quanto tempo eu poderia esconder da minha família o fato de que Wolfgang era casado?

Ficamos nesta situação por quatro meses. Íamos sempre ao “nosso” café e em um desses encontros, Wolfgang me puxou com carinho para si e sussurrou as únicas palavras em português que havia aprendido comigo: “eu te gosto”. Disse isso e afirmou ter falado na noite anterior com sua mulher, contado sobre mim e dito a ela que queria o divórcio. E que estava já procurando um lugar para morar.

Naquele instante, uma coisa ficou muito clara para mim: eu não queria ser o motivo da separação de uma família. Eu não queria para outros o que nunca quis para mim. Além do mais, jamais teria coragem de magoar toda a minha família, minhas tias e tios, que tanto haviam feito por mim. Sabia que seria uma grande decepção para eles. Juntei todas as minhas forças e deixei isso claro para Wolfgang. E implorei para ele que tentasse novamente uma vida feliz junto com a sua mulher, suas filhas. Que fizesse de conta nunca ter me encontrado. Eu faria o mesmo. “O tempo vai apagar as lembranças”, disse.

Cheguei em casa aos prantos. Minha tia me abraçou, preocupada, e eu contei tudo para ela, que foi muito compreensiva e me ajudou num plano para não ter mais que encontrar “por acaso” o Wolfgang: eu sairia do emprego, pois não gostava mesmo de lá, mudaria de academia e, caso ele ligasse, ela falaria com ele. Claro que ele ligou. Claro que ela falou com ele. Foi tudo muito difícil para mim, mas ter contado tudo para minha tia foi também uma grande ajuda para sair daquela situação. Fiquei assim, sem a possibilidade de voltar a encontrar-me com ele. Fim do romance.

Mas não pense que não levei um sermão daqueles da minha tia! E imagine se eu tivesse falado para ela que já há muito sabia que ele era casado! Isso não fiz, porque tão burra eu não sou. Disse que ele havia me contado aquilo naquela tarde.

Wolfgang realmente me amava, havia tomado a decisão de arcar com as consequências e ficar ao meu lado. Fui eu quem não quis. Hoje eu penso que minha vida com certeza teria tomado um outro rumo, tivesse eu aceito sua proposta. Mas que rumo, jamais saberei.

Na minha opinião, mulheres amantes de um homem casado muitas vezes estão presas num carrossel de emoções, sem verem uma saída. Precisam de ajuda, talvez mesmo de ajuda profissional. Se anulam por migalhas de atenção, sem perceberem que, com a sua presença, estão provavelmente tornando a vida de casado do homem em questão muito mais interessante. Os momentos felizes que ele passa com esta amante tão generosa, faz, em muitos casos, com que vida dele ao lado da esposa torne-se finalmente suportável! E a amante vai perdendo seu precioso tempo e sua autoestima… Você concorda?

O Wolfgang? Nunca mais o vi. Não, mentira: nós nos encontramos dez anos depois. E este encontro foi muito importante para mim. Mas isso eu vou contar de uma próxima vez, pois com certeza você vai querer saber se ele realmente se separou da mulher…

Você sabe que adoro ler seu comentário. E sabe também que respondo aqui a cada um deles. Portanto, se quiser me fazer um agrado, tem um lugarzinho ali embaixo próprio para você dizer se gostou e se quer ler mais sobre minha história. Obrigada.

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39 comentários
  1. Susanne, que coragem!! Numa situação tão complicada como essa, há sempre corações feridos. Você foi decidida em não ser a causa do rompimento de outra história. Quero saber o que vai acontecer…
    Gosto da leveza de sua escrita. Parabéns!

  2. Menina quantas aventuras, emoções e conflitos internos em um lugar DIFERENTE , com COSTUMES diferentes, lingua diferente…nossa não DEVE TER sido fácil
    Aguardando a próxima história. Bjs

  3. Uma coisa interessante no caso das mulheres que são amantes é que elas são mto julgadas e o homem que tem o compromisSo, não. Concorda?

    1. Acho que no brasil realmente é assim. Aqui na alemanha o homem que trai a esposa é mau visto também Por seus amigos homens. Obrigada por ler e pelo comentario polemicO.

  4. Eu tb compreendo que muitas vezes o desgaste leva a achar uma amante. Nao è justo nem con a pessoa, nem com a amante e nem com as familias de ambos. Que bom que voce se respeitou e à sua familia e a dele. Um.bj?

    1. Sim. Muitas vezes o relacionamento do casal está terminaDo. Mas ninguem trm coragem de admitir e tomar decisoes, até que aparece um(a) outro(a)… Obrigada!

  5. Você fez muito bem. Ninguém tem o direito de atrapalhar a vida das famílias não. Outra coisa, paixão é passageira sai na urina o hormônio em pouco tempo e aí a máscara ia cair, porque é assim a vida, nunca sabemos o que vem depois da paixão. Amor mesmo não era. E ele mostrou que nem ele gostava. De si mesmo. Com certeza amante recebe migalhas e sempre será o outra, mesmo depois do divórcio. Ninguém pode ser feliz , com atitude egoísta, fazendo os outros infelizes. Parabéns por sua decisão em não desmanchar a vida alheia. Que para mim é um pecado grave. Você nunca iria ser feliz. A consciência pesa.

  6. Amiga quantas emocoes vividas hein? Imagino como deve ter Sido muito dificil e sofriDa esta fase pra você! Estou Aguardando o desfecho, beijos!

  7. És uma mulher de foco!
    Mto gostoso te ler, instigas , MANTÉNS minha curiosidade. Concordo com tua reflexão sobre ser a outra , aceitar ser a 2ª em sua vida e ajudar a manter seu casamento. Acredito que talvez o alemão siga casado.
    És uma escritora. Beijos de uma fã

  8. Quem nÃo fica curioso por mais? Não pelo fato de querer saber da sua vida, mas pelo fato de te achar Fascinante com uma história linda. Beijos.

    1. Sim, fOi muito difÍcil. E tenho muita empatia por mulheres que ficam na situação de amantes Anos a fio. Obrigada por me prestigiar aqui.

      1. Quero mais simmm…e vc sabe deixar um gostinho de quero mais ,estou gostando do jeito que vc escreve deixando suspense e mistério maravilhoso e além do mais é tudo verdadeiro ???

      2. Quero mais simmm…e vc sabe deixar um gostinho de quero mais ,estou gostando do jeito que vc escreve deixando suspense e mistério maravilhoso e além do mais é tudo verdadeiro ???

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