Quando eu fui para o Rio de Janeiro com 17 anos morar na casa da minha tia alemã, meu mundo mudou. Eu doravante me dedicaria somente aos estudos. Comecei a frequentar então o curso de secretariado da Escola Técnica Cândido Mendes, a estudar inglês na Cultura Inglesa e a frequentar o Instituto Goethe, para aprender alemão, fazendo cursos intensivos, sempre que possível.

Estava amando essa nova vida, embora me sentisse bastante ignorante rodeada de pessoas que eu achava tão cultas! Visitava museus e ia às operas no Teatro Municipal com meus tios, o que nem gostava muito, talvez porque na época não entendesse tal novidade. Mas hoje sei o quanto essas coisas foram importantes para o meu desenvolvimento pessoal. Na casa da minha tia falava-se alemão no dia a dia, então eu podia praticar bastante. E estava aprendendo rápido.

E um outro universo se abriu para mim nessa nova vida: o universo dos homens. Não havia um dia que eu não voltasse para casa com vários cartões de visitas de homens que me paravam na rua! Fiz disto um esporte, queria sempre quebrar o meu próprio recorde! Verdade seja dita: eu colecionava cartões de homens! Brincava com eles e eles brincavam comigo. Me deliciava nos elogios, nos convites, nas palavras doces. Eram o meu elixir, o meu vício, a forma que eu, sem realmente ter consciência de tal, encontrei para tentar levantar o meu ego de prima ignorante e prima feia. Brinquei e amei. Amei muito.

Numa certa manhã, apareceu o Saulo na minha vida. Eu descia todos os dias de bondinho de Santa Tereza para o centro do Rio. Um dia, vi, viajando agarrado pelo lado de fora no bondinho, um homem que chamou logo minha atenção. Vestido com uma camisa branca, com as iniciais SB bordadas no bolso em azul claro, segurava com os dentes o casaco do terno, uma mão agarrava o bondinho e a outra carregava a pastinha preta de executivo.

Olhos lindos, pretos como jabuticaba, estatura média, por volta dos 25 anos, os músculos dos seus braços tentando rasgar as mangas curtas da camisa. Olhares. Eu senti o calor subir ao meu rosto e avermelhei. Uma piscadinha de olhos dele, nada mais, nenhum cartão. Naquela noite não dormi. Não o esquecia e a cada dia usava um decote mais profundo, uma calca mais apertada, na esperança de que, quando e se o encontrasse novamente, ele… Mas então pensei: “lindo demais para mim, imagina, eu, esse patinho feio”.

Eis que, numa tarde, quando eu estava esperando o bondinho para voltar para casa, resolvi tomar um suco de abacaxi fresquinho na loja de sucos que lá havia. Estava no balcão para fazer o pedido, quando ouvi uma voz masculina dizer atrás de mim: “tome o de abacaxi, é o melhor”. Eu me virei e deparei com aquele homem maravilhoso, de camisa branca com bolso bordado e olhos de jabuticaba. Quase morri. Nesse momento, eu me apaixonei perdidamente pelo homem errado. Mas isso eu só vou ficar sabendo muitos anos depois.

Lembro-me de que, na primeira vez em que saímos juntos, ele foi me buscar à noite, no seu carro do ano, no portão da casa da minha tia. Queria me levar para o Corcovado, para me mostrar o Rio visto de cima à noite. No caminho, eu comecei a sentir meu estômago virar. Fiquei com vergonha de falar algo, mas chegou aquele momento em que não dá mais para segurar. “Para esse carro que eu tenho que vomitar!”

Foi só o tempo de abrir a porta: todo o vômito nos meus pés, nos pés dele. Fim do passeio. E o início de um romance que me custou seis anos de vida. Com pausas. Ele era noivo. Gostava do sexo comigo. Me chamava, eu ia. Eu não conseguia resistir. Depois, me deixava “de molho”. Terminávamos, começávamos de novo. Uma salada! Uma infelicidade! Uma incerteza! E meu amor próprio, como sempre, baixíssimo.

Eu, nas pausas entre o relacionamento com Saulo, conheci outros homens. E brincando com eles, fazendo-os às vezes de palhaços, como daquela vez que um deles me levou para o seu apartamento, eu vi seu piano na sala de estar e disse que queria vê-lo tocar piano nu. Claro que ele fez! Antes do sexo, os homens fazem tudo o que queremos. Depois do sexo, a história pode ser bem outra…

Namorei por uns meses um homem bem mais velho, de 33 anos, advogado, divorciado, que conheci na praia. Ele era muito culto, gostava de música clássica e toda vez que me buscava em casa para sairmos, ao invés de tocar a campainha, ele tocava sua… flauta! Ah, sem chances. Eu achava aquilo tão ridículo! Além do mais, ele com 1,94 m e eu com 1,58 chamávamos atenção em todo lugar onde entrávamos. Ele queria coisa séria, gostava mesmo de mim. Eu terminei o namoro. Mesmo porque, meu plano era outro: ir para a Alemanha aprimorar meu alemão.

E teve ainda o Luiz. Outro advogado. Poeta, com um livro publicado. Quarentão, experiente, casado, sem filhos, sempre super bem-vestido com ternos feitos sob medida. Nossos encontros eram sempre para almoçarmos juntos em restaurantes chiques ou à noitinha, no escritório dele, quando todos os funcionários haviam ido embora. Uma de suas poesias me lembro até hoje:
“O homem come
o caranguejo
o homem caga
o caranguejo come
o homem come
o caranguejo
caga.”

Mais ou menos isso. Que tal? Talvez por causa deste poema eu me lembre dele até hoje. Mas um dia achei que sua mulher poderia estar sofrendo por minha causa e terminei o nosso relacionamento, que durou somente poucas semanas.

Voltando às coisas mais relevantes, como eu estava indo muito bem no alemão, e já no finalzinho do curso de secretariado, meu tio, que tinha uma empresa de representação de uma grande produtora alemã de peças de aço, me perguntou se eu queria substituir sua secretária por alguns meses, pois esta iria ter um filho e ficaria ausente do escritório. Claro que aceitei!

Assim, comecei a trabalhar como secretária bilingue, ganhando um salário à altura. Foi a única vez que exerci a profissão que aprendi. A secretária do meu tio não voltou mais para a empresa e eu fiquei sendo oficialmente sua secretária. Assim, tive a oportunidade de conhecer o diretor da tal empresa alemã, que me ofereceu uma colocação no escritório em Düsseldorf, na Alemanha, para começar quando eu quisesse. Com esta oferta, só faltava uma coisa: dinheiro para pagar a passagem de avião.

Economizei o necessário e aos 22 anos estava lá eu na escadinha do avião no aeroporto do Galeão rumo à Alemanha, me sentindo diva. Acreditem ou não: bem no topo da escada, pouco antes de entrar no avião, eu me virei e acenei de modo teatral para a multidão que foi despedir-se de mim no aeroporto. A multidão: minha mãe, meu pai e meus três irmãos. Mas, enfim, eu sempre gostei de cenas dramáticas! E, no fundo do peito, eu dava adeus para o ausente Saulo!

Treze horas depois eu descia no aeroporto de Frankfurt, onde minha tia, arquiteta, maravilhosa, minha terceira mãe, esperava por mim junto com meu tio, munida de um buquê de flores. Perguntou-me bem pausadamente em alemão: “Vo-cê en-ten-de o que fa-lo?” “Claro, tia, eu falo já bem sua língua!”, respondi eu, no meu melhor alemão. E, juntos, fomos para a casa dela, onde eu moraria daqui para a frente.

Já no carro, no meio do caminho, ela diz: “Aqui na Alemanha, no meio social em que vivemos, não usamos calças jeans apertadas com salto alto e nem brincos grandes como esses seus.” Mais tarde, na mesa do jantar, ganhei meu primeiro brinco de pérolas como troca pelos meus enormes brincos de bijuteria. Senti que tudo seria diferente daqui para frente e chorei baixinho ao deitar-me para dormir a primeira das muitas noites na Alemanha. Aprendi muito, muitíssimo, com essa “grande dame”! Obrigada, tia, você que já está lá no céu, talvez vendo como estou feliz agora e contando um pouquinho da minha história, da qual você foi importante parte.

E na Alemanha, descobri outros universos, conheci uma vida completamente diferente de tudo que havia vivido até hoje. Mas isso eu conto de uma outra vez, está bem?

(Se quiser, deixe sua resposta no espaço para comentários bem ali embaixo. Eu agradeço e comento sempre.)

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40 comentários
  1. QUERIDA com é bom mer a sua histOria! A minha foi bem diferente, mas na epica como sOmOs quase da mesma idade, era tudo o que eu queria viver!

  2. 6 minutos de leitura? Jamais! Li num tapa….
    Caramba, Susanne! Que texto! Quantas histórias suculentas você tem!!! Fotos e enredo incríveis.
    Estou aguardando o próximo texto com as tuas descobertas na Alemanha.
    Abraço,

    Glaucia

  3. Muito legal! Adorei a parte em que você olha para sua “multidão” e acena no topo da escada para o avião! Fico imaginando como foi. Nossa você tem muita história para contar e a faz de uma maneira admirável. Parece aqueles livros que a gente pega antes de dormir, mas acaba não dormindo porque quer saber o fianl da história.
    bjs minha querida

    1. DivandO, amiga, diVando! Há quase quarenta anos subir a escadinha de um aviao (ainda era só escadinha) era show!

      Que bom que gosta de me ler!

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