Na véspera de completar 30 anos, sem ser vista, presenciei uma conversa entre meu pai e minha mãe sobre a doença que o mataria poucos meses depois.

Com a minha filha pequena nos braços, escondida atrás da porta do meu antigo quarto, precisei enfrentar, ouvindo aquele diálogo surreal, não só a realidade cruel da sua finitude, mas, para a minha surpresa, os comentários sobre o que eles pensavam da única filha.
Ele falava que eu não seria capaz de suportar sua morte.
Não conseguiria superar, incólume, aquela tragédia.
“Ela é fraca”, foram as palavras que ele usou.
Fraca.

Uma vida inteira tentando chamar sua atenção, me esforçando para despertar sua admiração e, para ele, eu era fraca. “Será verdade?”, me perguntei tantas vezes, arrependida de não ter aproveitado aquele momento para confrontá-lo, exigir uma explicação, reverter sua opinião.

Como poderia estar tão equivocado, me conhecer tão pouco, plantar essa dúvida em mim?
Aquela filha não era eu.
A que ele construiu com suas expectativas e aspirações, talvez, mas não eu.

E foi ali que descobri a necessidade de começar a conduzir o meu destino longe dos aplausos e críticas daqueles que, inconscientemente, mantinham as mãos no meu volante. Entendi que a verdade deles era outra, suas percepções sobre o que eu fazia, meus sonhos, conquistas, falhas, erros, trafegavam numa estrada paralela. Não na minha.

E se eu simplesmente olhasse para a frente, adiante, não me incomodariam nunca mais. Conquistei, pela primeira vez, através daquelas duras palavras, minha independência, meu direito de ser, de gostar do que via no espelho. E senti medo como nunca havia sentido.
Despreparo.
Hesitação.
Exposta, nua, vulnerável.
Mas forte.
Em todos os momentos de desespero, dor, dúvida, forte.

E meu pai, que pena, estava errado, não conseguiu me enxergar, quem sabe, por amor.

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