A verdade dos nossos filhos nunca será a nossa. Essa é a realidade nua e crua para a qual não somos preparados. O desgaste do nosso papel maternal. Porque é isso. Chega o dia em que só nos resta recuar e amassar a lista de expectativas egoístas que escrevemos inocentemente antes mesmo deles nascerem. A hora de encarar o ninho vazio. E voltarmos a ser quem deixamos para trás.               

Quando criança gostava de imaginar conversas com a minha versão adulta. Descobria antecipadamente os segredos do meu futuro, e depois planejava como contornar as adversidades que eu já sabia fazerem parte da minha jornada. Perdia horas nesses delírios infantis. Ouvindo relatos dos erros que – por causa do nosso encontro- não aconteceriam mais. Presenteando o meu outro “eu” com as lembranças apagadas de sua memória adulta. Nas descrições nítidas do meu dia a dia. Confidentes e cúmplices, nós éramos, daquilo que nos tornava a mesma pessoa.  

Mas com o tempo entendi- para o estremecimento da nossa relação- que embora fossemos, de fato, uma só … não falávamos a mesma língua. Havia uma compreensão desconectada sobre tudo o que não experimentamos juntas. Ainda que dividíssemos o mesmo apreço por nossa existência coabitada. Nossas vontades nunca seriam as mesmas. E na inocência dos meus poucos anos, acovardada pelo distanciamento que nos separou, a esqueci propositadamente. Deixando para cada uma de nós a sua própria história.      

Minha imaginação criativa talvez tenha premonitoriamente enxergado meus desafios com a adolescência das minhas meninas. O momento em que precisaria- diante de um outro abismo – agir de forma mais sábia. Quando lutei para não desistir dos diálogos estrangeiros entre a minha voz autoritária de mãe e o grito desesperado e hormonal da filha que me enfrentava. Errando. Tantas vezes, terrivelmente, na tentativa de não me deixar cair na tradução fracassada entre o que eu falo e desejo e o que elas escutam e pensam. Perdendo a razão ao impor arbitrariamente o meu lado. Afogando-as num amor que insiste em transformá-las no meu reflexo. 

Não é fácil. Agir como se eles não fossem nossos brinquedos. Apesar das nossas boas intenções. Do cansaço das noites sem dormir. Do esforço para fazer sempre o melhor. Das vezes que nos sentimos igualmente invisíveis e incompreendidas. 

A maternidade exige paciência e equilíbrio. Coragem. Para que o tempo possa trabalhar a nosso favor. Reunindo nossos laços desamarrados. Fiéis ao propósito que nos colocou no mesmo barco desde o início. Afinal de contas estamos todos à procura do mesmo sonho: sermos felizes, respeitados, amados, aceitos, percebidos, admirados. E livres.     

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4 comentários
  1. Amei seu texto, o conteÚdo e a forma como escreve. Tenho um filho de 23 anos, desde os 20 já fORa de casa. Voltou agora, UNIVERSIDADE fechada, pandemia. Ser mae de novo nao é sEmpre facil, havia ja me aCOstumaDo Com meU tempo livre. Mas amor de mae é assim: topa qualquer comPromisso, se foR para o bEm deles. E EstÁ mais do que certo assim!

  2. A tal da EXPECTATIVA x realidade. Sonhamos com a vida, o futuro que planejamos erroneamente para eles, nos esquecendo que cada um deles traça seu próprio caminho. Excelente colocação da escritora!!!!

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