Os jogos olímpicos atravessaram a linha do tempo, driblaram questões geopolíticas e chegaram ao século 21, do imediatismo digital e do mundo literalmente globalizado, com algumas boas notícias, entre elas a maior participação feminina nas diferentes modalidades olímpicas.

Mas, se isso é um bom sinal, é igualmente necessário dizer que, apesar de todas as maravilhas dos tempos onde é possível meninas e mulheres mais velhas competirem e levarem alegria a seus povos, ainda há mais do que sinais de que é urgente não só uma reflexão sobre o forte sexismo que reina no ambiente competitivo desse e de outros eventos.

Biquíni

Tanto assim que o principal órgão que cuida da Olimpíada, o Comitê Olímpico Internacional (COI), se manifestou sobre a necessidade do tratamento isonômico para os participantes homens e mulheres em Tóquio.

Se na Grécia os jogos tinham como característica a honra e a beleza dos filhos homens de Zeus, tendo reservado às mulheres zero participação, eis que passados séculos e séculos finalmente as equipes femininas chegam a seu maior percentual (49%) em uma Olimpíada, conforme o COI. Isso de fato é relevante.

Melhor: para além das estatísticas, o aumento da presença de mulheres pode ser considerado um Ippon (golpe do judô que se devidamente aplicado elimina o lutador que o recebeu) aqueles que ainda pensavam que as quadras, piscinas, pistas de skate, aparelhos de ginástica, entre outros, continuariam um reduto masculino. O problema, porém, é que ainda assim, há quem enxergue no corpo das atletas uma espécie de show à parte. Ou seja, sexismo.

Biquíni

É inaceitável que tenhamos chegado ao século 21 com fortes cargas de pensamentos retrógrados, onde o sexismo está instalado em todas as camadas sociais, independente de idade, grau de educação etc. Mas parece que ocorreu em Tóquio um indicativo para abrir as portas às discussões sobre o sofrimento da mulher diante de decisões de cunho sexista, ao se dizer que nada precisa ser alterado nas regras sobre as roupas dos atletas. Pois precisa.

A reflexão a respeito do tema, aliás, deve ser levada a outras competições. Por que, afinal, as meninas do handebol ou do vôlei de praia devem, obrigatoriamente, usar biquíni em vez de terem a liberdade de optarem por roupas que acharem mais confortáveis?

O questionamento está lançado e teve, inclusive antes das Olimpíadas no Japão, um posicionamento louvável da equipe da Noruega, em julho, a respeito do uso obrigatório do biquíni pelas meninas. As atletas norueguesas de handebol não sentiam-se à vontade usando a peça “consagrada” nas regras dos uniformes para competições. Elas alegaram que o biquíni restringia os movimentos e, além disso, hiperssexualiza as atletas. Os argumentos das norueguesas não só foram desconsiderados como “renderam” multa à equipe (150 euros por jogadora).

Com multa ou sem multa, a decisão da Noruega é um direito. O contrário nos remete a algo com os quatro dedos acima do joelho na saia azul-marinho do colégio de freiras.

Acompanho quase besta estas notícias sobre sexismo nos jogos de Tóquio e em outras competições. O fato da equipe de ginastas da Alemanha ter optado por usar um macacão de pernas até o tornozelo justamente porque não queriam ser observadas por suas formas e sim por seu trabalho, é mais um caso que nos mostra o quanto é preciso ter um olhar atento ao que passa batido pelo público. Não somos objetos sexuais, somos profissionais e, como tais, merecemos respeito em nossos locais de trabalho – sejam eles um escritório, um hospital ou uma quadra de vôlei.

Se não nos posicionarmos quando coisas sutis ocorrem no mundo do esporte, fracassamos enquanto precursoras daquela geração que levantou a bandeira a favor do topless, da minissaia, do direito ao trabalho, do direito ao voto.

Ser obrigada a usar biquíni porque, afinal das contas, isso supostamente reúne um público maior e da mesma forma poderia sinalizar às marcas oportunidade de investimento, é mais um tipo de violência de gênero. Concordam?

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5 comentários
  1. Concordo, as mulheres devem usar o uniforme que desejarem, que LHEs de maior conforto. Ao pensar em Olimpíadas ou QUALQUER competição exportiva PERCEBO que meu desinteresse aumenta com o passar dos anos. Futebol? nunca gostei, FUTEBOL americano? uma agressão desnecessária, Boxe e outras lutas? prejudicial para a saúde. Comentaristas olímpicos? todos têm um modo padrão de falar, não aguento. Voltando às atletas – No momento, estamos vivenciando manifestações de retorno aos valores do passado, de conservadorismo. Será que os pedidos de mudança de uniformes para mais recatados também tem a ver com isso? Percebi que os macacões dos corredores também foram trocados.

  2. Acho que é um tema que deve ser muito abordado. Nossa sociedade questiona o uso da burca,mesmo qdo isso é uma opção da referida mulher, e obriga a usar biquíni. Tu falou muto bem: sexismo. Isso é imoral!

    1. Reflexão necessária e pertinente. Olhar para a condição social da mulher a partir das olimpíadas de Tóquio, significa olhar para as expressões de um sistema patriarcal que insiste em objetificar as mulheres. Saber que não se trata “só de um biquíni” significa reconhecer que o nosso corpo é instrumento de objetificação social e sexual, em que ainda, e infelizmente, o pertencimento dos corpos das mulheres é uma ferramenta de legitimação e regulação dos homens, sobretudo em espaços como das Olímpiadas, que majoritariamente é constituído por homens. A desigualdade de gênero questiona os fundamentos da democracia. Que possamos nos unir e lutar contra esse sistema para ter condições justas e que a libertação das mulheres seja o caminho para a transformação.

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