No mês em que celebramos o Dia Internacional da Mulher resolvi fazer uma reflexão: o quanto nos abandonamos em função de um outro. Na era do “ghosting”, fico pensando em quantas histórias ouvimos que fulano foi comprar um cigarro e nunca mais voltou… O abandono feminino sempre foi tema. Repaginado ou não.

O que me fez escrever sobre foi “Copo Vazio”, livro bastante atual da escritora e psicanalista Natalia Timerman (@nataliatimerman) que segue, durante toda a narrativa, o ponto de vista da mulher, da abandonada e, ainda, a minha experiência clínica, atendendo jovens adultas que viveram histórias de abandono e repetem o modelo quando buscam um relacionamento. Meu ponto aqui é refletir como nós, mulheres, nos deixamos pelo outro.

Quero fazer uma breve contextualização histórica, voltar no tempo e lembrar da inquisição medieval, quando as bruxas eram condenadas por ameaçar os senhores todos poderosos com seus conhecimentos naturais; eu acrescentaria intuitivos. Essas nunca se abandonaram e foram queimadas por isso.

Depois surgem os contos de fadas que, nas suas versões originais, não eram tão romantizados, mas a personagem feminina, por mais que passasse por intermináveis obstáculos, só era feliz depois que encontrasse seu príncipe encantado.

Essa é a nossa ancestralidade. A ancestralidade do feminino europeu que nos colonizou e está presente, como definido por Jung na psicologia analítica, no nosso inconsciente coletivo. Desde pequenas aprendemos a seguir modelos, repetir padrões, muitas vezes negando a nossa própria natureza. A de bruxa. Modelos da mãe, da avó, da bisavó, buscando inconscientemente relacionamentos que encaixem nesses padrões aprendidos e enraizados na nossa memória celular. E, por isso, é tão difícil quebrá-los.

Por outro lado, para sobrevivermos, aprendemos a relativizar, a julgar, a culpar e principalmente a colocar a expectativa da felicidade no outro. É aí que começa o autoabandono. E ele sempre tem nome. O amor, a felicidade, a família, os filhos…

Tem também discurso pronto: “Eu faço tudo por você…” e perdemos de vista os sinais/fatos do relacionamento que antecipam que alguma coisa vai mal, como em “Copo Vazio”. A personagem, perdidamente apaixonada, não vê com importante não saber nada do novo namorado, não saber onde mora, não conhecer sua família… “O amor vence barreiras”, mas não podemos perder de vista a barreira da realidade na qual a mulher se encontra “de repente” sozinha, perdida, não sabendo mais quem ela é.

Tudo isso é real, muito real. A possibilidade de se sentir amada provoca a sensação irreal de que o outro é e sempre será mais importante do que si mesma. Partindo desse princípio, a relação já começa com um peso maior de um lado da balança, nunca desenvolvendo uma igualdade afetiva entre as partes, ou seja, fadada ao fracasso.

Para ajudar a quebrar esse clico vicioso, acredito que o mais importante é tomar consciência de que algo está errado. Procurar ajuda, participar de uma rede de apoio que mostre à mulher que ela não está sozinha, além de colocar um fim concreto no relacionamento. Concretizar os fatos ajuda a finalizá-los. Rituais são importantes e precisam ser cumpridos, já diziam nossas amigas bruxas.

E para terminar cito uma frase da nossa musa maior do Inconformidades, Susanne Neumann (@ageingrace): “Antes de buscar o amor fora, é necessário que busquemos o amor por nós mesmas. Só então seremos capazes de encontrar um bom companheiro”.

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9 comentários
  1. Livia, muito importante o texto e sempre atual o tema.
    Romper o ciclo do abandono e a idealização da completude na relação afetiva são fundamentais para liberdade que tanto desejamos.
    Um abraço

  2. Texto maravilhoso! Gostei do contexto histórico, da psicologia analítica, da reflexão q a relação já começa desigual e vc nos brinda com um final lindo com o resgate do autoamor. Um texto para mulheres, homens e tds q querem se valorizar e valorizar as relações. PARABÉNS!!

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