Esse texto foi escrito em parceria com André Carvalhal

Já parou pra pensar como o novo é enaltecido na nossa sociedade, sejam pessoas ou coisas?

Outro dia, lendo um artigo da Cláudia Arruga sobre uma fala da Naomi Wolf, que abordava o Mito da Idade, o André Carvalhal eu começamos a conversar e concluímos  que a nossa sociedade carrega o Mito do Novo, que é mais abrangente que o Mito da Idade (que se refere apenas ao preconceito que mulheres sofrem ao chegar numa determinada fase da vida). Isso é tóxico.

Claro que existem coisas pontuais que ganham valor com o passar do tempo, como vinho, obras de arte, o moço que eu gosto e George Clooney, mas a maioria das pessoas e a maior parte dos bens de consumo perdem valor. Mulheres são colocadas pra escanteio assim que perdem a sua capacidade reprodutora, coisas são descartadas cada vez mais rapidamente e pessoas perdem mercado de trabalho. Esse comportamento faz mal ao planeta, todo mundo sai perdendo com essa filosofia. 

Apesar de pessoas e coisas serem incomparáveis, é assim que acontece muitas vezes. Você já deve ter ouvido que a nova geração é a que vai salvar o planeta, a roupa nova é a que está na moda, o corpo mais bonito é o novo, o rosto mais atraente é o novo, o celular novo é o melhor,  o carro mais novo é o mais rápido, o creme novo é o que vai te fazer aparentar ser mais “novo” e, enquanto isso, pessoas mais velhas têm mais dificuldade para arrumar empregos, são excluídas de diversos outros espaços, não só de trabalho, muitas vezes suas ideias são consideradas antiquadas, antes mesmo de serem ouvidas.

Roupas de segunda mão são desvalorizadas, há quem diga que têm energia ruim ou fora de moda. Trocamos e descartamos coisas a todo momento, como se, ao nos desfazermos delas, elas deixassem de existir. Vale lembrar que não existe jogar fora do planeta.

Nada disso é à toa. Valorizar o novo e descartar o que é velho é lucrativo. Mas enquanto a economia é aquecida, são estabelecidos hábitos, padrões e preconceitos que contribuem para um mal estar gigante na sociedade, além de acelerar a devastação do planeta.

 A obsolescência programada gera muito lixo para no mundo. A obsolescência perceptiva gera, além de lixo, o etarismo, velhofobia e o velhocídio.

Desmistificar o conceito do velho é urgente, precisamos desconstruir a ideia de que o que é velho é algo ruim, triste ou desprezível; de que o que é velho precisa ser descartado ou desvalorizado; de que um rosto jovem sempre vende mais que um rosto velho.

Pessoas mais velhas com corpos jovens e rostos jovens cheios de creme e procedimentos estéticos não representam a realidade da maioria, e contribuem pouco para essa mudança de paradigma.

Roupas de segunda mão de luxo, com preços inacessíveis para a maioria, não podem ser a única representação da circularidade na moda.

Precisamos parar de propagar mitos falsos. A única cara que uma pessoa precisa ter é a sua própria, e ela carrega todas as marcas do que se viveu. Comprar algo de segunda mão é uma economia de dinheiro e de recursos naturais, e não tem nada de ruim nisso.

A nossa sociedade e a expectativa de vida mudaram, mas isso não significa que os 50 são os novos 30, os 50 são os novos 50.

Nota: Obsolescência Programada é quando um produto lançado no mercado se torna inutilizável em um período de tempo relativamente curto de forma proposital. A obsolescência perceptiva é uma forma de diminuir a vida útil de produtos que ainda são perfeitamente funcionais. Os fabricantes lançam produtos com aparência inovadora e mais agradável, com pequenas mudanças funcionais, dando aos modelos anteriores aspecto de ultrapassados.

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