Quem nunca pensou o quanto seria bacana ter aquela amiga de colégio ou aquele vizinho que foi seu super amigão a vida toda como vizinhos? Ter na mesma vizinhança pessoas queridas? Algo como estar entre pares, dividir nostalgias e gargalhadas, o gosto pelo café sem açúcar, entre outras manias que possam ser compartilhados mais de perto. Na prática, você toparia viver com aqueles que têm estilo de vida muito semelhante, intencionalmente?

A vontade de ter por perto afetos, cúmplices de uma vida toda e com eles morar e dividir o mesmo espaço físico – não nos moldes de uma república como no filme “E se vivêssemos todos juntos?”, mas ao melhor estilo dinamarquês, o de cohousing para adultos seniores, é um sonho viável e cada vez mais brasileiros estão aderindo a ter uma casa em uma vizinhança que, sob o aspecto físico estimula um forte senso de comunidade, mantendo a independência e a sustentabilidade econômica e ambiental.

Comecei a pesquisar sobre este tema e entrevistei pessoas que contam os dias para mudarem para um cohousing em fase de construção, em Campinas. Também conversei com profissionais de arquitetura que já estão propondo projetos para transformar o sonho dos envelhecentes em manter a independência morando em suas casas, a partir de projetos arquitetônicos para moradias comunitárias destinadas a pessoas maiores de 60 anos que optaram por  viver com uma comunidade intencional, formada por casas individuais mas em torno de um espaço compartilhado (o cohousing). 

Fui buscar a origem e porque o conceito cohousing, que nasceu na Dinamarca e se espalhou pela Europa e Estados Unidos, é tão atrativo. Encontrei boas respostas para acreditar na possibilidade de maduros e maduras  sentirem-se menos sós, terem mais segurança e optarem por ter um estilo de vida no qual poderão arcar econômica e emocionalmente, sem depender de familiares, depois de longos anos de trabalho e sonhos.

Resumindo: as inquietações que se aproximam e tendem a ficar mais presentes à medida que envelhecemos podem ser amenizadas quando temos a opção ou a oportunidade de envelhecer de forma totalmente nova, solidária,compartilhada e rica em termos de vivência em comunidade. Essa é a proposta do casal de professores aposentados Bento Carvalho Júnior e Neusa Carvalho. Eles apostam no conceito cohousing e estão arrumando as malas para, tão logo a Vila ConViver  ficar com as edificações prontas, mudarem para a nova casa e compartilharem momentos e espaços de lazer com as demais famílias que optaram por fazer parte do projeto, que reúne docentes aposentados (ou com idade superior a 50 anos) da Unicamp, em Campinas.

Responsável pela comissão de comunicação da Vila ConViver, Bento conta que o projeto foi desenvolvido por meio do Grupo de Trabalho Moradia da Associação dos Docentes da Unicamp (GTMoradia/Adunicamp. Daí nasceu a Associação de Moradores da Cohousing Sênior Vila ConViver. Com alma,sonhos, pesquisa e troca de informações com especialistas nesta temática, na Dinamarca e Estados Unidos, Bento ajudou a organizar os pilares da futura moradia, que conta atualmente com  50 associados. Embora a pandemia tenha atrasado um pouco o cronograma inicial das obras do cohousing, o casal está otimista com a novíssima experiência que terão: viver  na primeira cohousing sênior do Brasil a ser constituído por uma associação de moradores.

Moradia, Saúde e Sustentabilidade

Para Enios e Neusas, Pedros e Joanas que desejam paz, amigos, segurança e a certeza de que a nada simpática ideia da “casa de repouso para idosos” não está em suas agendas e sonham viver em comunidade, as arquitetas Deize Sbarai Sanches Ximenes e Rosangela Rachid têm boas respostas sobre como viver em um ambiente com conceito bem diferenciado de moradia pode ajudar na longevidade.

Urbanistas e com longa experiência nas áreas da saúde, moradia e sustentabilidade ambiental, Deize e Rosangela vêm no conceito de cohousing não só uma maneira diferente de habitação, mas uma iniciativa com base nos Objetivos Sustentáveis do Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ODS/ ONU), especialmente o ODS 3 (saúde e bem-estar) e o ODS11(cidades e comunidades sustentáveis) . Elas deram início a uma assessoria para desenvolver projetos voltados à vida em comunidade intencional,  apostando em promover qualidade de vida, tradições culturais e sociais sem descuidar do respeito à liberdade dos moradores e aos recursos naturais dos locais onde serão construídas as comunidades.

Segundo Rosângela Rachid a iniciativa para construção de cohousing pode ser privada ou pública. “No Brasil as iniciativas ainda são incipientes, mas já existem projetos implantados pelo setor público, como a Cidade Madura, na Paraíba”, diz Rosângela. E para quem pensa que vai desembarcar em uma república, ela enfatiza: “os projetos de habitação compartilhada têm áreas comuns – como coworking, sala de jogos, hortas, mas cada pessoa terá sua habitação privada.

No conceito cohousing os espaços em comum são, na prática, aberturas para promoção de encontros, de vivências. Em uma comunidade intencional, tudo é responsabilidade de todos. Um advogado que decida viver este conceito poderá colaborar com os moradores, por exemplo, com as questões legais do local, enquanto alguém com conhecimento em agricultura terá, naturalmente, maior inclinação a ajudar no cultivo da horta, dos caminhos verdes feitos à interação com os moradores e a natureza.

Deize Ximenes e Rosangela Rachid acreditam que a consultoria da E-Cohousing – idealizada por elas para projetos desta natureza, é uma excelente alternativa à arquitetura e urbanismo no Brasil, especialmente porque há um crescimento contínuo da população idosa no país. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a população maior de 60 anos é de 31,2 milhões de pessoas (dados do último censo, em 2018). Essa é uma faixa etária em pleno crescimento, com significativa contribuição econômica. “A pirâmide etária está se invertendo e o mercado precisa se preparar para isso.”, diz Rosângela, para quem nem sempre morar com a família (filhos e filhas) é sinônimo de felicidade e autonomia.

Então, se você quer dividir com amigos muito queridos uma vizinhança comprometida com a empatia e o respeito, porque não endossar o conceito de cohousing e correr atrás desse sonho? Todos nós temos amigos como a personagem de Jane Fonda (Jeanne) em “E se vivêssemos todos juntos?” e gostaríamos de viver perto deles, sem dividir a mesma casa. Afinal,compartilhar o resto da vida com quem de fato tem a ver com nossa realidade, com os nossos dramas e alegrias, pode ser raro, mas não impossível.

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7 comentários
  1. Genial! Todos nós merecemos viver com autonomia, rede de apoio e vida ativa. Esta iniciativa pode ser um modelo de política pública habitacional: acessível e replicado em todas as regiões.

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