O início parecia ter sido tirado da cabeça de um ou de uma roteirista de comédia romântica. Ela estava aguando as plantas do jardim da frente de casa quando o rapaz da farmácia passou para fazer uma entrega num vizinho. Contou que tinha um cliente que andou fazendo muitas perguntas sobre ela. Qual é o nome dela? O que faz? É casada? Parecia bastante interessado, arriscou ele. Só sei que, tendo o rapaz da farmácia como cupido, os dois se conheceram uma semana depois. Paula e Álvaro.

No começo, ela estava um tanto desconfiada. Foram tomar um café. Acabaram tomando três. Os dois mais próximos dos 70 do que dos 60 anos. Divorciados, ela há mais tempo que ele. Dois filhos cada um, ela duas meninas e ele um casal. Riram, descobriram muitas coisas em comum, marcaram um novo encontro.

Aqui o roteiro indicaria um flashback. A dona de casa Paula casou-se com 19 anos e foi morar com o marido numa cidadezinha do interior. Aos 40, estava divorciada e livre de uma relação tóxica, da qual ela não tem boas recordações. A parte boa do casamento? Além das duas filhas, o marido era “bom de cama”. Sim, deitava e dormia, o que era um alívio para Paula. 

Depois de separada, descobriu que a vida poderia ser mais que ser padeira e caixa do negócio do marido, além de fazer sozinha todo o trabalho de casa e cuidar das meninas. De volta a São Paulo, descobriu um novo mundo, uma nova vida. Aposentada e contando também com a renda de um imóvel da mãe, conheceu a liberdade. Aprendeu a dirigir, fez amizades e conheceu muitos lugares em viagens.

Dona de notável energia (para alguns, até hiperatividade), frequenta, com o mesmo entusiasmo, cursos de comunicação não-violenta e ukulelê. Nunca mais namorou, mas também não se preocupava com isso. Até que Álvaro apareceu. “Eu tenho as minhas manias”, brincou ele. “Mas não me sinto velho, mesmo com 68 anos. Quero aproveitar o tempo que ainda tenho com uma mulher especial. E, quando a te vi, achei que tinha encontrado. Ser for com você, vai ser maravilhoso”.

Assim começou a inesperada história de amor de Paula e Álvaro. Caminharam de mãos dadas (me belisca para ver se eu não estou sonhando!), compartilharam suas vidas e, em quatro quarteirões, já estavam íntimos. Pareciam ter nascido um para o outro. “Estou apaixonada. Será que vou saber namorar?”, Paula parecia uma adolescente ao telefone com a irmã mais velha.

Ainda que se fale de todos os benefícios, físicos e mentais, dos relacionamentos na maturidade, ainda é grande o número de mulheres e homens acima dos 60 anos que não consegue namorar. As razões são as mais diversas: temem a falta de liberdade, morrem de medo de serem vítimas de golpes (quem aí já viu “O golpista do Tinder” na Netflix?) e têm dificuldade de criar intimidade. Mesmo com as oportunidades que os aplicativos oferecem, namorar parece trazer um misto de emoções que não são as mesmas que da juventude.

Mas Paula e Álvaro arriscaram. Começaram um relacionamento que as pessoas dão o nome de “maduro”.  Pareciam se completar. Ela, agitada, fazia um contraponto com a calma dele. Ele caseiro, ela rueira. O jeito foi equilibrar as noites e os finais de semana para contemplar as vontades dos dois. Num final de semana, trilha no parque. No seguinte, sofá, pipoca e filmes. Dia de jogo do Corinthians, ela saía com as amigas fiéis (que andavam reclamando da sua falta e a faziam se sentir culpada pelo afastamento).

Um período inicial de muita troca, compreensão e tolerância. A cada descoberta, ela telefonava, deslumbrada, para a irmã: “Dormimos de conchinha depois de transar. Será que eu estou sonhando?” E assim se passaram oito semanas e meia (podia ter colocado uma semana a mais para dar o nome do famoso filme, mas preferi ser o mais fiel possível aos fatos). 

Quando tudo parecia um conto de fadas, o danado do roteiro resolveu criar um incidente incitante. É quando a história vira de ponta-cabeça. As semelhanças entre os dois do começo deram lugar às diferenças. Aos poucos, Paula começou a sentir que começava a viver uma espécie de reprise do seu casamento anterior. Não exatamente igual. Mas o convívio começou a incomodá-la.

Paulo gostava de falar, mas nem tanto de ouvir. Paula dormia naqueles blockbusters de tiros e explosões e ele ficava chateado. Ele recusava os convites para sair com a turma dela, ela se aborrecia. Nos fins de semana, ela pulava da cama logo cedo, ele nunca antes das 10, 11 horas. Ela queria comer fora, ele pedia que ela cozinhasse (sobremesa incluída). Ele dizia que precisava descansar. Ela dizia que precisava se cansar.

Essa diferença de expectativas foi sufocando Paula e Álvaro.  Até que, num domingo recente, ela disse: “Vou sair com minhas amigas”. Ele disse: “Vou ficar em casa vendo um filme”. O diálogo foi se repetindo e os dois foram fazendo questão, cada vez mais, de mostrar ao outro que não queriam, nessa altura da vida, abrir mão de seus hábitos, de suas vontades, de sua liberdade.

Esse é o tal relacionamento maduro?, começou a se perguntar Paula, que começou a sentir que eram mais felizes quando não estavam juntos. Mas, afinal, não são todas as relações assim? Talvez os maduros tenham mais pressa. A sensação é que não dá mais para perder tempo com um caminho que não leva a lugar nenhum.

O roteiro não reservou um final feliz para essa história. Ou foi um final feliz, sim? Paula chamou Álvaro para uma conversa e o namoro terminou. Paula, minha amiga, me ligou para contar tudo. Ficamos uma hora e meia conversando. Parecia bem. Em nenhum momento, se lamentou da decisão. Nem falou mal de Álvaro. Apenas não deu certo e pronto. Preferia guardar na memória os bons momentos. e não os ruins.

Ontem, quando eu estava ainda pensando num tema para essa coluna, ela, brincalhona de tudo, me mandou um meme por WhatsApp. Dizia: “Namoro é pra beijar na boca, transar, sair pra comer, sair pra passear, ver filme… Juntos! Se for pra passar raiva, eu vou dobrar um lençol de elástico”. Mandei um montão de coraçõezinhos para ela. 

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6 comentários
  1. Lendo agora na madrugada, pois perdi o sono . Gostei da fluidez de escrita da autora.
    Tenho 73 a e sou casada há 56 a, como meu marido está doente há 9 anos, agora demenciando, cuido mto. Penso que é tempo de ter um namorado. Casar não vou, já sou! Mas ter alguém para conversar, sair para dançar , jantar ou almoçar, quiçá uma viagem curta, ou seja sem compromisso algum, só para ter uns momentos bons e cada um segue sua vida. O casamento, este lance de viver o dia a dia, cria mtas raivas e mata o tesão. Lembrando que já não tenho mto tempo para aproveitar a vida.

  2. Amei a história! Nada de passar raiva. Sempre penso que na listinha do melhor da vida com um companheiro ou companheira é ter muito papo, amizade, interesses muito próximos . Afinal. Em todas as fases da vida nem sempre o namoro é beijar muito e transar gostoso. “Las parellas “ , para além de cama, mesa e banho, têm vida própria . Acredito que na maturidade isso fica mais claro ainda. Daí, possivelmente o porquê de Paula e Álvaro terem separado, embora tenha sim dado certo.

  3. Eu achei que o final é feliz SIM. Curtiram o que tinha pra ser curtido e quando entenderam que não iam mais funcionar, não perderam mais tempo! Sem amarras, sem delongas.

  4. Adorei o texto! A história né? de Paula e Álvaro…
    Eu mesma tenho refletido sobre esse tema últimamente…
    Sou separada há mtos anos, tenho 52 e estou sem “namorado” há mais de 7 anos…sem namorado, ñ sem sexo! Digo que quero namorar, mas tá tãaaao difícil se relacionar c alguém. Entrei num app de relacionamentos e até p conversar eh complicado, as pessoas ñ sabem desenvolver uma boa conversa.
    Fico me perguntado tbm: será q quero mesmo um namorado? Será q saberei namorar de novo? Uma amiga me diz sempre “aproveite sua solterice”! rs
    Mas posso ser sincera? Até p uma boa transa, tá “osso”! Acho que nesses Apps têm muita piração, muita gente carente e louca…e eu tô lá, né? Tentando fazer diferença…mas pode ser q seja uma louca a meu modo, tbm rs
    Bela reflexão seu texto, parabéns!
    Beijo

    1. Que bom que gostou , Claudia. Obrigada pelo comentário e por compartilhar sua história! Procure maia textos por aqui !! Vou adorar saber o que achou! Beijos MZ

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