Meu primeiro encontro depois de vinte e não sei quantos anos. Blind date. Arranjado por uma colega de trabalho que resolveu me incluir divertidamente -e à contragosto- numa conversa fiada de whatsapp com um amigo seu. Alguns áudios depois, confiante e insistente, o homem afirmava -sem nunca termos trocado antes uma palavra sequer- ter um amigo recém-divorciado perfeito para mim. “Perfeito”, ele continuava repetindo entre uma frase e outra, como se soubesse os pré-requisitos informados no meu CV amoroso. Como se estivesse negociando a solução do que achava ser um problema meu.

O amigo do amigo da amiga. Não daria certo. Não assim. Nunca com uma referência tão tendenciosa. E a realidade desse momento “recém-saído” da monogamia longa era que eu mesma não saberia descrever o que procuro hoje. Certamente nenhuma perfeição. Minhas impressões sobre o que necessito, quero e busco, estão muito embaralhadas dentro de mim. Sonolentas. Levantando do ciclo emocional procrastinador pós separação que me prendeu em casa e na cama desde o último inverno. Eu sabia quem não era quando precisei sair daquela relação. Foi dolorosamente fácil. E sozinha aprendi como voltar a ser longe da existência do casal, recolhendo e reorganizando os pedaços que deixei pelo caminho. Agora precisava descobrir se me interessava formar um outro par ofertando apenas -e sobretudo– o meu eu real. Nem mais, nem menos.

Mas não conseguia imaginar a minha reentrada nesse mercado via aplicativo ou através dos serviços de uma agência matchmaker da maturidade. Ainda não. Contar com o critério frágil da sorte -e a prepotência de um algoritmo-, esperando encontrar honestidade em perfis criados justamente para seduzir outros vários, parecia impessoal e arriscado demais para alguém que acabara de decidir acordar romanticamente. Talvez tenha sido por isso que aceitei sem objeções esse convite. Sair com um desconhecido-recomendado não era o fim do mundo ou algo que eu nunca tinha vivido na minha juventude solteira.

Quando a sexta feira chegou, passei o dia inteiro com a sensação de estar agindo precipitadamente. Estaria mesmo pronta para colocar o meu corpo e disposição à prova? Por que a remota possibilidade de me relacionar sexualmente com outra pessoa ainda me embrulhava o estômago? Por que tanta resistência se o passado já estava morto e enterrado? Acho que sempre associei a intensidade do meu desejo ao conforto da intimidade com a outra parte -aquela com quem dividi o meu corpo por tanto tempo, a que testemunhou sua transformação, a única que conheceu suas novas formas- e era essa a questão que tanto me perturbava. Seria fácil reencontrá-lo? Despertá-lo? Compartilhá-lo mais uma vez sem restrições? Sem censura? Não saberia responder. Precisaria descobrir como quem puxa o band-aid de uma só vez.

Estava atrasada. Ansiosa. E me arrumei com uma dificuldade que nunca tive. O que vestem, hoje em dia, candidatos maduros de um primeiro encontro? Teriam preocupações menos prudentes os mais jovens? Ou é justamente o contrário? Ousada? Casual? Deveria me importar? Não, não me importava nem um pouco, concluí satisfeita. Mas o pobre do meu guarda-roupa ainda estava casado. Ele sim, guardava tristonho a herança sem graça e pouco sedutora da minha outra vida. Nada ali combinava mais comigo. Peguei então o vestido preto com pequenas estampas florais amarelo-mostarda, curinga recorrente de tantos momentos desesperados. O interfone toca. Enfio depressa as sandálias vermelhas que nunca pude usar. O motorista do Uber manda mensagem. Já estou indo, grito no quarto vazio. Prendo o cabelo num rabo de cavalo bem alto. Perfume. Bolsa. Casaco. Chaves. Bato a porta e desço correndo pelas escadas. Entro no carro. Sim, quero exibir a minha sensualidade recuperada por aí, foi a segunda descoberta feliz que fiz essa noite. Independente do parceiro, do lugar, do frio, das opiniões, do receio.

Chego no restaurante. Ele está na porta e é tudo o que seu amigo propagandeou. Vamos entrar, pergunta tímido, o que é, de certa forma, um alívio. Somos dois estreantes. Nossa mesa fica numa varanda reservada e as janelas estão abertas, a brisa gelada não me deixa tirar o casaco. Ele me observa. Não consigo desviar meu olhar. Seus olhos são castanhos e alegres. Ele sorri. Pedimos uma garrafa de vinho e conversamos as nossas histórias por horas. Estou feliz. Liberta. Exercendo nessa boa conversa o meu direito de ser quem eu quiser. Nada mais importa. Com ele ou não, tanto faz. Nesse encontro n˚ 1, sou, verdadeiramente, a minha melhor companhia.

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1 comentário
  1. Seu texto é Cativante – Sentimentos colocados à meSa de maneira clara, precisa.
    Sorte a nossa q vc resolveu destrancar a gaveta e libertar sua escritA…
    Até a próximA!

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Às vezes rola uma ausência de companhia, carinho, afeto, mas não tenho maturidade para esperar uma pessoa que ainda não está madura como eu.