Leila sobe as escadas do apartamento duplex com a segurança de alguém que já sobe as mesmas escadas por muitos anos, várias vezes ao dia. Seu marido, Wolfgang, está no banheiro da suíte do casal e ela, já então no cômodo de cima, vira à direita e entra no quarto de vestir. Sem pressa alguma, despe-se jogando as roupas em cima da cadeira ao lado da janela. Sabe que, daqui a não muito tempo, meia hora talvez, irá vesti-las novamente.

Seu olhar encontra sua imagem no espelho grande que reveste as portas da parede dos armários. Por alguns instantes, contempla seu corpo esbelto, quase perfeito, embora já beirando os 60. As nádegas firmes e redondas, as pernas musculosas bem torneadas. A barriga seca, pode ver os músculos abdominais apesar daquela pouca gordurinha que, devido à vontade de comer vendo televisão à noite, insiste em ficar. Os peitos ela não olha, não gosta de vê-los, fica um quê de triste. Olha as prateleiras com os sapatos e por um momento, escolhe qual calçar. Decide por aquele stiletto de verniz preto com salto de onze centímetros. Nua, usando nada mais que os sapatos, diz para si mesma: “Show time!”

Vai em direção à suíte dançando e cantarolando baixinho a melodia da Garota de Ipanema e quando encontra Wolfgang, que sai nu do banheiro da suíte, se aconchega como uma gata mimada no seu corpo atlético que não parece ter os 65 anos que tem. Leila sorri, faz dengos. Abraçados, meio que dançando, começam a se beijar e a enroscar os corpos. Ela sabe que ele gosta desse tipo de cena. Ela geme e se contorce, fingindo prazer.

Caem na cama. Ela já conhece a posição predileta do marido. Afinal, estão juntos há 12 anos. Ela conhece cada milímetro do corpo de Wolfgang e cada movimento que o faz sentir prazer. Ela geme, beija, acaricia e fala coisas que ele gosta de ouvir. Hoje ela não quer que seja um ato demorado. Há outras coisas a fazer, tem ainda que responder a algumas mensagens no Instagram, quer escrever.

Enquanto ele se regozija no enorme prazer que ainda sente ao fazer amor com ela, os pensamentos de Leila, embora gemendo baixinho, giram em torno das coisas mais corriqueiras do dia a dia. Ela reza para que ele atinja logo o orgasmo, ritual que acontece todas as vezes exatamente seguindo uma mesma sequência de atos, dos quais, na verdade, ela não só é a protagonista, como também faz a regia.

Prazer? Ela não sente, nunca sentiu prazer sexual com o marido. Mesmo no início do relacionamento, quando se conheceram, ela não sentia prazer sexual com ele. Mas sexo pode dar outros prazeres: o prazer de se sentir atraente, de se sentir amada e cobiçada, o prazer de dar prazer. E o prazer de uma vida em harmonia, confortável, tranquila e segura. Um ato de amor. Próprio. E para com o parceiro.

O show, como ela chama em segredo o fazer amor dos dois, hoje é um filme de curta-metragem. Wolfgang insinuou, sentado no sofá, durante o jornal na TV, que queria alguns momentos íntimos com ela. Leila sabe quando pode adiar tais momentos e quando é melhor ceder, evitando as crises de mau humor do marido. Leila é egoísta. Ela não se preocupa com o marido nessa hora, mas com ela mesma. Não tem a menor vontade de passar os dias com um homem de cara fechada…

Mas Leila descobriu há pouco tempo, que sentia-se muito, mas muito melhor, se partisse dela a iniciativa de irem para a cama. Dá-lhe a maravilhosa sensação de controle, de poder sobre Wolfgang. E faz daqueles momentos de sexo sem prazer mais suportáveis. Se prepara antes, lubrifica sua vagina para não sentir dor, pois, como não há prazer, e já há anos na menopausa, seu corpo não a presenteia com umidade vinda de dentro.

Hoje o show foi de curta-metragem, 15 minutos talvez, contando o tempo que Leila precisou entre se despir, dar uma dançadinha, gemer, se entregar, acariciar Wolfgang até ele se jogar para o lado, satisfeito. Vale? Valem 15 minutos umas três vezes por semana a troco de uma vida sem preocupações? Uma vida com uma pessoa que a ama infinitamente e – tirando algumas manias estranhas – faz quase tudo o que ela quer?

Ficam por algum tempo deitados juntinhos na cama. Faz parte. Leila está inquieta, quer descer, quer pegar seu celular, olhar as mensagens, escrever. “Vamos descer novamente, querido?” diz, mais afirmando do que perguntando. E já vai levantando aquele corpo sarado enquanto ele resmunga um “sim, já, já”. Ela pula da cama, ainda usando os stilettos e vai como uma gazela para o quarto de vestir, assim como se estive desfilando numa passarela. As roupas que ficaram em cima da cadeira ainda estão mornas do calor do seu corpo. Desce a escada abaixo, aliviada e feliz, cantarolando Garota de Ipanema.

Feliz. Sim. Aprendeu que a felicidade total e constante não existe. Aprendeu a dar foco no lado bom das coisas, assim vive satisfeita. Claro que sente falta de um ato de sexo intenso, onde ela também sinta um desejo sexual arrebatador, como já vivenciou muitas vezes antes. Mas sabe que tudo tem um preço. Muitas vezes se pergunta, quantas mulheres estariam vivendo uma situação semelhante? Serem casadas e irem para a cama com homens que não acendem seu “pito”, como já dizia a Tieta do Agreste?

Desce as escadas e decide uma coisa: vai escrever sobre isso. E sobre suas experiências e aventuras no mundo do sexo, do amor corporal. Inspirada como nunca, bate com destreza nas teclas do laptop sem se deixar atrapalhar pelo ronco do marido que adormeceu satisfeito lá em cima.

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14 comentários
  1. Gostei mto!
    Leila brinca com a sensualidade, ela no casamento goza de outras formas. Ela descreve uma relação de prostituição, em troca de 45 m semanal tem uma ótima vida. Talvez o sexo ela troque só por gozo com outro(s). É bem a nossa vida…
    Suzane sempre ótima!!!

    1. Obrigada. Assunto tabu, mas também acredito existir em muitos lares, tal situação, mesmo que talvez vividas de formas diversas… Leila tem o domínio total da situação e sente-se bem assim.

    1. Acredito que sim. E são levadas a isso por motivos diversos! Quem somos nós para criticar, não é? Cada uma de nós sabe onde aperta o sapato…

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