Quando eu fui convidada pela Editora Rosa dos Tempos a conhecer o livro “Timoneiras – Assumindo o Leme da Vida”, da americana Mary Pipher, minha vida estava totalmente tomada pela internação do meu pai. Era o mês de junho e agora tudo parece um borrão, mas se deparar com a amputação da perna do seu pai por um caso de negligência médica, e como isso impactou a minha família, não foi dos momentos mais fáceis.
Justamente nesse tsunami comecei a ler esse livro especialmente dedicado às mulheres maduras, e como elas sobrevivem às perdas que a vida nos impõe. A antropóloga e escritora Mary Pipher, já na casa dos 70 anos, traz relatos emocionantes de algumas de suas amigas e como cada uma delas cresceu nos ciclos de crises e sofrimentos, dividindo com a leitora um novo ponto de vista sobre o que é apreciar a beleza nesse estágio da vida. Bingo. Era exatamente isso que eu precisava ler.
Claro que imediatamente pensei na minha mãe, e no momento de dor extrema que ela estava passando, ao ver seu companheiro de mais de 50 anos entrando em inúmeras cirurgias, debilitado, desorientado, sofrendo a extrema violência de ter uma pena amputada e perder a sua autonomia. Como ela sairia dessa experiência? Quais seriam suas expectativas em relação à sua vida familiar – ou como um casal – depois de um fato tão determinante? Como uma mulher de 76 anos vai lidar com um marido amputado que se torna absolutamente dependente, e o que esperar dos anos que ainda tem pela frente?
Fui absorvendo cada palavra de Mary Pipher e sublinhando cada passagem significativa, e olha que são quase todas. Tirava fotografias das páginas e mandava por whatsapp para a minha mãe, tentando, de alguma forma, mostrar a ela que existem centenas, milhares, milhões de mulheres resilientes que chegam aos setenta anos com muitas perdas em sua bagagem emocional. E que encontram, a cada dia, nas pequenas coisas, muita vontade ainda de viver.
Mary Pipher mostra, de uma forma emocionante, que as mulheres que têm o privilégio de chegar aos setenta anos são principalmente definidas por suas perdas. A perda da juventude, de sua aparência, de sua sexualidade. A perda de amigos, filhos, parceiros. Essas perdas contrastam com o fato de que geralmente são elas as pessoas mais felizes de seus grupos intergeneracionais, e que justamente as décadas que acumularam de experiência as ensina a lidar com os lugares mais ásperos da vida. E enxergar beleza nisso.
Será que nossa cultura moderna está perdendo a chance de enxergar o que é ser uma mulher madura? Não uma mulher de 40, 50 anos, que está ainda na “juventude da maturidade”, como diz a escritora. Mas sim uma mulher de setenta anos, que é vista como uma diminuição dela mesma. Mary Pipher sublinha, e maravilhosamente, que sua forma de definir uma mulher madura é pelo seu potencial. Seu potencial de crescimento e de lidar com as situações mais complexas da vida. No livro, a americana deixa bastante claro que acredita que a felicidade é uma habilidade e uma escolha pessoal, e que essa atitude de escolha pode nos definir.
“Se nós não acreditarmos no nosso potencial de crescimento, dificilmente vamos sair do lugar. Eu acredito que esse potencial vem do fato que quase todos os dias, quando chegamos aos setenta anos, oscilamos entre uma felicidade tremenda e alguma espécie de desespero”, ela confessa. “Eu sou a mesma mulher que sempre fui, gosto das mesmas coisas que sempre gostei. Só que hoje eu consigo sair na minha varanda e ter um pouco mais de calma para enxergar o que sempre esteve lá, e isso me dá um prazer cotidiano”.
Eu confesso que esse livro me emocionou profundamente quando fala sobre como podemos redefinir as nossas relações, principalmente quando um dos parceiros está debilitado. Claro que pensei nos meus pais, e como vão passar os seus dias daqui pra frente. Minha mãe com certeza vai ter que redefinir os seus dias. Como vai fazer isso? Mary Pipher conta que transformou algumas de suas noites mais tediosas em encontros com amigas, principalmente na cozinha. Começou a fazer happy hours em torno de seu fogão, enquanto cozinhava, e que esses encontros mudaram o seu cotidiano. Somos mulheres criativas, eu pensei, e tenho certeza absoluta que essa criatividade vai nos ajudar lá na frente.
Vocês já se deram conta que em menos de vinte anos vamos chegar aos setenta? Como vamos chegar lá? Eu confesso que isso me assusta e me fascina, e ler “Timoneiras” foi um chacoalhão enorme nas minhas expectativas. Quero cada dia mais cultivar meu círculo de amigos, ter muita mobilidade para não depender de ninguém. Quero morar em um lugar onde possa fazer tudo a pé, e quero fazer parte de uma comunidade ativa e vibrante que me faça sentir acolhida e “pertencida” (vou escrever sobre a minha viagem a San Miguel de Allende, no México, onde isso tudo é fato – uma comunidade que gira em torno dos 70, 75 anos, mais ativa e bombando do que nunca).
Quero ser uma Elba Ramalho, uma Maria Bethânia, uma Susan Sarandon. Uma Meryl Streep, uma Marieta Severo, uma Renata Sorrah, uma Cher. Mary Pipher mostra que essa vida não só é possível como deve ser construída.Chegar aos setenta anos é um privilégio e uma potência, e cabe a nós escolher qual vai ser esse caminho.
Fica aqui a dica: “Timoneiras” é mais do que um guia para os setenta anos, é um livro de cabeceira.
3 comentários
Parece que nós mulheres temos essa “missão ancestral” de cuidar, agregar, amparar.
Será mesmo?
Ou serão repetições de padrões de comportamento?
Venho me questionando isso. Até quando?
Cuidamos da casa, dos filhos, dos netos, dos maridos, das amigas, dos nossos conflitos e dos conflitos dos outros, dos nossos pais, tias, sobrinhas, afilhadas, da comida, das compras da casa, das festas de família… Cuidamos de nosso trabalho, dinheiro, aplicações, seguro do carro e do apartamento, contas a pagar, cuidamos da nossa saúde, dos nossos pets…
Ufa!
Esses 70 anos é a hora da libertação. Melhor fase da vida. Ler, escrever, estudar, relaxar, ver filmes, viajar, de preferência já morando sozinhas. Porque vamos combinar, marido ou companheiro/a ocupam muito espaço, e a gente tá precisando dele. Paz!
Bjos a todas!
Estou no leme, com o timão nas mãos. Entrei na viagem sem uma carta topográfica , levo um marido debilitado, demenciado, totalmente dependente de mim. Perdida nestas águas turbulentas, mas querendo seguir viva e poder ajudá-lo a fazer sua transposição , sem ser engolida por suas águas profundas e negras. Mta criatividade está exigindo para ir conduzindo um para seu fim e ficar lutando para seguir mais um tempo como uma mulher cheia de anseios e não uma idosa amarga de 72 anos…que eu seja forte….vou ler , esperando uma facilitação…
AMEI, dei para minha mãe que já amou e agora vou comprar pra dar de presente para minha tia <3