De tudo o que somos feitos, pó, purpurina, fome e defeitos, aquilo que me provoca é pouco mais que um devaneio. Se penso na saudade que tem nome e endereço, desejo pular os dias, adiantar o tempo, encarar a morte com a resiliência do zangão que fecunda a abelha rainha. Não é ingratidão ou capricho. É cansaço e desperdício.

Ontem choveu distraidamente. São Pedro se esqueceu de colocar as lentes e seus olhos lacrimejaram lembranças. Será que os santos também se fartam do peso da esperança? Quando eu era criança, minha avó me levava em velórios a tira colo. Como uma bolsa de feira que não dá pra deixar à beira, num canto qualquer, porque está cheia de coisas recém-compradas para o almoço do dia. Uma mistura de iguarias de xepa. Era assim que eu me sentia.

Os corpos, velados nas casas dos mortos, recendiam a parafina. Havia sempre um santo qualquer a espreitar o defunto. O país é católico, as pessoas têm medo, melhor rezar pra qualquer um do que não ter credo nenhum. Aproximei-me da morte mais cedo que a maioria. Herança de avó é espólio que não se ignora. E como não pensar em ir embora?

Trago comigo a memória de um livro no qual a protagonista é zeladora de um cemitério antigo e pitoresco. Com ela eu adormeço e sonho estar em uma locação de novela de época. A zeladora me mostra uma lápide sem epitáfio. Apenas um nome que não conheço. Pergunto de quem é a cova e a resposta é: segredo.

0 Shares:
Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar:
cancer de ovario descoberta inconformidades
Saiba Mais

Uma forma de prevenir o câncer de ovário, esse inimigo letal e silencioso

O cancer de ovario é um dos mais traiçoeiros por sua alta letalidade: 70 a 80% das vezes em que é diagnosticado, já está em fase avançada. Uma orientação divulgada no início deste ano pode literalmente salvar a vida de muitas mulheres. A recomendação é simples: todas as mulheres deveriam considerar a remoção das suas tubas uterinas (antigamente chamadas de trompas de Falópio) depois de já não desejarem mais ter filhos, para prevenir o cancer mais temido da ginecologia: o dos ovários.