De tudo o que somos feitos, pó, purpurina, fome e defeitos, aquilo que me provoca é pouco mais que um devaneio. Se penso na saudade que tem nome e endereço, desejo pular os dias, adiantar o tempo, encarar a morte com a resiliência do zangão que fecunda a abelha rainha. Não é ingratidão ou capricho. É cansaço e desperdício.

Ontem choveu distraidamente. São Pedro se esqueceu de colocar as lentes e seus olhos lacrimejaram lembranças. Será que os santos também se fartam do peso da esperança? Quando eu era criança, minha avó me levava em velórios a tira colo. Como uma bolsa de feira que não dá pra deixar à beira, num canto qualquer, porque está cheia de coisas recém-compradas para o almoço do dia. Uma mistura de iguarias de xepa. Era assim que eu me sentia.

Os corpos, velados nas casas dos mortos, recendiam a parafina. Havia sempre um santo qualquer a espreitar o defunto. O país é católico, as pessoas têm medo, melhor rezar pra qualquer um do que não ter credo nenhum. Aproximei-me da morte mais cedo que a maioria. Herança de avó é espólio que não se ignora. E como não pensar em ir embora?

Trago comigo a memória de um livro no qual a protagonista é zeladora de um cemitério antigo e pitoresco. Com ela eu adormeço e sonho estar em uma locação de novela de época. A zeladora me mostra uma lápide sem epitáfio. Apenas um nome que não conheço. Pergunto de quem é a cova e a resposta é: segredo.

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