Alfaces, tomates, rúcula, abobrinha. Não. Não abram o bloco de notas do celular porque a ideia não é passar uma receita gastronômica para vocês. Nada disso. Essas verduras e legumes são da nossa horta orgânica e foi a primeira coisa que fizemos, eu e Toninho (meu marido), tão logo entramos em home-office, em março de 2020.

Há mais de um ano deixamos de comprar esses alimentos e estamos aumentando a variedade das nossas hortas. Sim, além da primeira hortinha, agora fizemos uma horta comunitária, na frente da nossa casa, à disposição da vizinhança. Logo, toda a salada da casa é 100% orgânica e colhemos os produtos um pouco antes de colocar à mesa o prato principal.

Está bem, vocês talvez estejam interessados em ler algo mais empolgante do que falar em abobrinhas. Mas não desistam de chegar ao final do texto, pois garanto que nunca as abobrinhas, tomates e árvores foram tão importantes, especialmente na vida de “dois coroas vivos” – como nos definimos Toninho e eu.

Horta
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Voltando às abobrinhas, além de uma opção saudável, as verduras e legumes que plantamos crescem sob nossos olhos, a hortinha é uma espécie de terapia para os dias difíceis que passamos. Tem gente que malha muito para desestressar – eu malho mais ou menos. Outras pessoas meditam e ficam de boa.

Eu medito, malho, faço yoga, escrevo, leio e faço maratonas na Netflix e no Prime, mas preciso de algo que me acalme a alma, que me permita enxergar vida fora desse cenário maluco do qual nos vimos reféns deste que um vírus tomou conta do planeta nos finais de 2019 e começo de 2020, em especial do Brasil.

Uma aliança com a natureza
A natureza sempre me tranquilizou. Percebi durante a pandemia que cuidar das plantas, de forma geral, como orquídeas, violetas, suculentas, samambaias e das hortícolas, funciona como uma boa dose de calmante. Mais: é um momento de silêncio e meditação. Há, sem dúvida, uma interação entre os mundos vegetal e humano que pouco exploramos. Se pensássemos mais sobre isso possivelmente algumas de nossas dores e doenças melhorariam.

Digo isso enquanto uma mulher com alguns calos na alma, um coração bem remendado e a mente voltada para o amanhã, pois quando você acabar de ler esta frase tudo que disse até aqui é passado. Digo também enquanto jornalista, com hábito de observar detalhes e questionar muito.

Então, creia: minha horta (aliás, nossa) tem uma valia que extrapola o valor nutricional e uma passa tempo de dois coroas em dias pandêmicos. Tanto que pensamos em dividir com os vizinhos essa nossa vivência. Compartilhar o que é bom com aqueles que nos cercam e os que sequer convivemos é prazeroso. Por isso, destinamos um pedacinho de terra na frente da nossa casa, cercamos, e ali crescem mais tomateiros, alfaces- lisas e abóboras.

Assim que estiverem prontas para o consumo os vizinhos poderão colher. Também poderão plantar ou doar sementes. Essa troca que propomos faz bem. Então, mais uma vez tenho a certeza de que quando fizemos a primeira hortinha, no fundo do pátio – a época no formato horizontal, aproveitando o muro e canos de pvc, queríamos ter algo para ocupar um certo vazio que a pandemia nos causava.

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Hoje, temos a certeza de que desejamos manter os dois locais destinados à horticultura – na rua da nossa casa e no fundinho do quintal, não apenas como algo para nos alimentar e ajudar a passar o tempo nas manhãs de sábado – quando geralmente saíamos ou viajávamos, mas porque é uma atividade que nutre a alma.

Essa certeza se dá também quando observo a postura das árvores do quintal – as frutíferas e as nativas do Cerrado. Se há algo positivo nestes dias de refúgio em casa à espera da vacina é o entendimento dessa relação com as árvores ou plantas de diferentes espécies.

A vida pulsa em cada árvore
Nunca pensei que a pandemia pudesse me presentear com essa aproximação com a natureza. Foi na pandemia que conheci um dos livros mais interessantes que li sobre ecologia: A vida secreta das árvores, de Peter Wohlleben, um engenheiro florestal que, desencantado com os danos causados nas florestas devido às técnicas e tecnologias empregadas – desde o corte de árvores maduras até o uso de inseticidas, passa a enxergar esses seres de outra maneira.

Trabalhando há mais de 23 anos com a divulgação da ciência, confesso nunca ter lido nada mais bonito do que essa obra de Wohlleben que conta, entre outras coisas incríveis sobre as árvores, que elas não só se comunicam como também mantêm relacionamentos, formam famílias, cuidam dos doentes e dos filhos, têm memória, defendem-se de agressores e competem ferozmente com outras espécies – às vezes, até com outras árvores da mesma espécie.

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Depois de ler Wohlleben (que administra uma floresta de faias em Hümmel, na Alemanha) minha relação com a natureza, particularmente com as árvores, é outra, bem como com toda vida vegetal. Nestes dias tão cinzentos e desafiadores em mais de 12 meses de pandemia, tomei algumas atitudes para fazer desse momento um período de reflexão, de novas “aventuras” mesmo sem sair de casa. Abobrinhas, bananeiras, limoeiros, cagaitas, alfaces e tomateiros são seres do nosso cotidiano.

Então, as hortinhas – a horta de fundo de quintal e a horta comunitária, pronta a chegar à mesa da vizinhança- são mais do que experiências agronômicas de dois jornalistas sessentões: são nossa contribuição para vivermos melhor nestes dias pandêmicos acinzentados que, a depender de nós, são verdes que te queremos verdes.

Há vida para além do nosso umbigo. Ali, no nosso quintal, onde o bem te-vi canta, há vida. Logo ali, aonde chega seu olho no ninho de João de barro há vida. As abobrinhas, tomates e rúculas agradecem sua leitura e ficarão felizes em chegar a 101% orgânicas à sua mesa. Hasta próxima salada. Hasta o próximo abraço na árvore mais próxima de você.

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10 comentários
  1. Que belo texto! Me sinto representada por cada palavra… Em meio a esse caos, as plantas têm sido meu refúgio secreto, diria até que é uma terapia. Sou a favor das hortas comunitárias, aliás, os chamados kibutz são capazes de proporcionar um senso coletivista que, mais do que nunca, necessitamos nesse período. Acredito nessa conexão com a natureza e posso afirmar que não vivo sem ela.
    Irei contar uma pequeno relato:
    No ano de 2018, eu morava na região de Sintra(Pt), mais especificamente em Monte abrãão. Numa dessas saídas ao supermercado, decidi pegar um caminho novo para chegar mais rápido (até porque há muitas subidas que me deixavam sem fôlego) e, pasmem, encontrei uma grande horta comunitária. Lá, em Portugal, essa prática é muito frequente e funciona basicamente assim: o estado disponibiliza a terra e algumas sementes e, os interessados, devem – além de um curso básico – cuidar de cada lote de terra. É um compromisso que deve ser estabelecido. Desde que encontrei aquele caminho, mais do que nunca passava por ali só para ver a horta crescendo. A comunidade ganhava ( não há nada melhor que consumir uma salada orgânica), as relações entre as pessoas eram amistosas e, o principal: a natureza mais e mais presente.

    Um abraço!

  2. Que belo texto, tem substância, alimenta a alma, tem a força energética da natureza que, de forma única, traduz o que és como pessoa. Quero mais textos como este, com o gosto saudável dAs NOSSAs saladas orgânicas.

  3. Que ideia maravilhosa a horta comunitária.
    Eu, por enquanto, troco algumas sementes com o meu vizinho que veio da roça e tem 82 anos.
    As plantasv TAMBÉM têm me ajudado muito.
    Bom demais sentir essa tua experiência e carinho por elas.
    Abração

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