Na coluna desse mês decidi falar sobre um assunto bastante pertinente nos dias de hoje. Assunto esse que, num mundo antes da pandemia talvez continuasse escondido debaixo dos nossos tapetes cerebrais. Mas é hora de arregaçar as mangas e abraçar a causa da saúde mental, e nesse texto faço um recorte à saúde mental da mulher.

Temos visto uma enxurrada de notícias constatando que durante a pandemia a mulher foi e ainda é a mais afetada. Acúmulo de papéis, de trabalho, filhos em casa, empregos formais e informais não sustentáveis. Pesquisas sobre saúde mental são relativamente recentes e o que encontramos na maioria das vezes são os dados da Organização Mundial da Saúde e de organismos paralelos sobre este quadro no Brasil.

E por que a questão de gênero e o que isso quer dizer? A OMS define gênero como “a diferença que homens e mulheres têm sobre o poder e controle das determinantes socioeconômicas em suas vidas, posição social e forma de tratamento na sociedade”. Ou seja, sim, tendo a mulher menos poder e controle, a desigualdade de gênero como fenômeno social naturalmente afeta mais a sua saúde do que a do homem. Como se não bastasse, o viés diagnóstico dado a cada um deles também é tendencioso.

Entre os transtornos mentais mais comuns estão a ansiedade e a depressão. (Este último tão bem explicado por Edwiges Parra, aqui no Inconformidades, no seu texto Depressão Feminina). Transtornos alimentares como a bulimia e a anorexia são ainda mais acentuados e estimulados pelos padrões de beleza impostos pela sociedade sendo causa importante da mortalidade de adolescentes e jovens adultas.

Quadros de origem biológica como a gestação, aborto, puerpério e menopausa podem ser gatilhos para transtornos mentais se não acompanhados. Dados do SUS de 2019 mostram que a maioria das mulheres internadas com transtornos de humor como a bipolaridade e depressão tinham entre 30 e 49 anos.

Ainda não falamos das inúmeras sequelas causadas às vítimas de violência, seja psicológica, física, sexual ou institucional, resultado de práticas sociais machistas. Dados mostram que a violência psíquica é 3 vezes maior do que a física e 2 vezes maior que a sexual. A institucional está em sua maioria diretamente ligada ao abuso de medicamentos, ansiolíticos e antidepressivos.

O racismo, LGBTfobia e a transfobia que são violências estruturais, são ainda mais exacerbados quando o sujeito em questão é uma mulher. Infelizmente lidamos com uma subnotificação dos casos no país. Mais ainda se pensarmos no contexto psicossocial atual. No que tange à saúde mental, a efetividade do tratamento individual, terapêutico e/ou medicamentoso, institucional ou não, deve ser pautado no contexto social no qual a mulher está inserida, o papel de gênero que ela desempenha e o quanto a sociedade contribui à sua saúde.

Por outro lado, mulheres tem a auto percepção apurada e, na medida das suas realidades procuram ajuda. E é muito importante que isso siga acontecendo e seja estimulado, que políticas públicas forneçam esse espaço e que esse caminho nos leve de fato a uma transformação social. Não é por acaso que a agenda da ONU de 2030 discutirá a igualdade de gênero dando mais força às mulheres. Mas e até 2030?

É preciso nomear, definir, significar e discutir cada vez mais o assunto para que a saúde mental possa ser tratada como uma questão que permeia o nosso universo o tempo todo e não como uma condição à parte.

(Adaptação de um texto que escrevi em colaboração com o Instituto Cactus)

3 Shares:
2 comentários
  1. Querida Lívia,

    Texto pertinente e impecável! Acredito que temas como a saúde mental ainda não ganhou a devida proporção, principalmente no caso das mulheres. E, como você bem citou, não há um desmerecimento no que tange ao gênero masculino, nada disso; ocorre que, ao longo dos anos, as mulheres desenvolvem muitos papéis na sociedade, isto é, aquela anedota de ” se virar em mil”… Só que essa carga, ou melhor, essa pedra de sísifo que muitas mulheres carregam, tem afetado e muito a saúde mental. São, de fato, doenças silenciosas e que necessitam de tratamento, ainda mais nesse período tão caótico que estamos vivendo.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar:
O meu número
Saiba Mais

O meu número

Roupas aguardam a minha escolha, enquanto passo a mão sobre cada uma delas. Indecisa, preciso me vestir. Como cheguei até aqui?