Brinco sempre com a minha cabeleireira que ela deveria nomear seu espaço de “Senta que lá vem história..” Não existe provedor de conteúdo melhor. E não estou me referindo à fofoca, que detesto. Adoro ouvir as conversas das clientes. Se for história de amor então…
Na sexta passada, cheguei no salão para retocar os fios brancos. À minha esquerda, dona Lúcia estava numa animação só. Parecia uma noiva no dia do casamento. Quatro profissionais a atendiam: cabeleireira, assistente, manicure e pedicure. Tudo para comemorar as bodas de ouro. Entre aquele puxa-puxa de escova e secador, a cabeleireira perguntou: “Esses 50 anos têm saldo positivo ou negativo?”
Eu me virei pra ouvir a resposta, que ela deu com uma gargalhada, jogando a cabeça para trás: “Parece que você não me conhece.” E abriu mais um sorriso. “Acha que eu ia aguentar esse tempo todo com coisa ruim? Nananinanão!”
Na sequência, Alice, uma mulher de cabelos castanhos e lisos que estava à minha direita na fila de cadeiras em frente ao espelho, entrou na conversa.
“Eu ouvi 50 anos de casamento? Como é que pode um negócio desse? Mais que 10 anos é sociedade. Uma relação corporativa. Tô fora! Gosto mesmo é dos começos. Estou num relacionamento recente. Sabe aquele friozinho na barriga, aquela insegurança gostosa, aquela coisa de não ter intimidade? São três meses. Praticamente um contrato de experiência. Eu amo. E tem mais… Adoro arriscar e não dispenso uma novidade. Por falar nisso, quem acha que eu deveria ficar loira? Pode acender mais a cor? Quero algo para iluminar, para chamar a atenção mesmo. Nada mesmice! “
Com jogo de cintura para evitar a polarização, a cabeleireira foi logo perguntando se alguém queria café.
Achei melhor ficar quieta, mas refleti por algum tempo sobre aquela situação. Por que as pessoas precisam comprovar que estão felizes no relacionamento? Por que poucos acreditam que um casamento longo pode ter paixão? Já reparou que virou motivo de vergonha dizer a quantidade de anos de casamento? Tipo adolescente que tem vergonha de dizer que não gosta de beber ou fumar. As pessoas julgam demais.
A essa altura, Alice, coberta por papéis de alumínio na cabeleira para fazer as luzes, continuou o papo. “Acho muito difícil ficar com alguém por muito tempo. Nem eu me aguento. Relacionamento longo para mim é sinal de resistência e não de amor.”
Depois de tanto ouvir, dona Lúcia resolveu explicar sua felicidade.
“Você pode não acreditar, mas para para mim parece que foi ontem. Eu falo com orgulho. Estou há 50 anos casada e sou muito feliz e apaixonada. Quem disse que não podemos ter novidades e aventuras em um relacionamento longo? A gente muda o tempo inteiro e o casamento também. E garanto que existem pessoas muito felizes estando juntas há tanto tempo.”
A cabeleireira viu que a chapinha estava esquentando e logo interferiu:
“É só pensar no cabelo, gente!” Tem de todo tipo, de toda cor. Quer longo? Precisa manutenção e novidades o tempo inteiro. Que arriscar, mudar a cor, alisar, enrolar? Precisa coragem e vontade. Tem que fazer por você, não pelos outros. Provou e não gostou? Mude. Cabelo cresce, cai, tem dia bonito, tem dia ruim. Mas é aquilo: precisa cuidar.
Alice deu uma golada no café e ficou quieta.
“Prontinho, dona Lucia” disse a cabeleireira girando a cadeira da cliente e mostrando um espelho para mostrar como tinha ficado a parte de trás do penteado. “Está linda para comemorar.” E logo emendou um “Maísa é a sua vez. Quer manter ou quer mudar?”
2 comentários
Ah! Que bom te ler, Maísa! ???
??? que delícia de leitura.