Existem inúmeros ingredientes capazes de desconcertar a harmonia de uma parceria longeva. Carência de diálogo e escuta, desencontros de desejo, intenções mal-entendidas, palavras mal explicadas, educação dos filhos, projetos conflitantes; combinar as nossas muitas vezes indecifráveis vontades, e ainda sobreviver a rotina pesada do dia a dia, não é fácil.

Mas nenhum desses eventos possui a habilidade destruidora do dinheiro. Da falta dele, do poder (e tabu) do seu significado. Talvez esse seja o único elemento da trajetória monogâmica com eficácia fatal determinante, capaz de definir num só golpe a continuação do jogo. Sozinho, ele derruba o castelo romântico que em algum momento juramos ter construído em solo seguro. Mesmo havendo amor, boa convivência, sonhos em comum.

Reparar mágoas nascidas da instabilidade financeira não é algo que podemos resolver com as ferramentas que frequentemente usamos para tratar as questões do coração. Ela é um tsunami, implacável, que cobra e testa tudo o que você pensou existir nesse acordo que assinou tão esperançosamente anos atrás, quando a autoridade cruel do imprevisível não parecia avistar nenhuma ameaça distante. E o que resta, depois de uma crise, vai contestar principalmente a confiança na unidade do par, cada vez mais fragilizada.

Apesar do desespero da fase seca, acho que não é dela o protagonismo da ruína dos afetos. Existe uma certa camaradagem compartilhada na tragédia anunciada, solidariedade, entre náufragos que estão igualmente assombrados pela ameaça de afundar. Equilíbrio. O grande e verdadeiro desafio, na minha opinião, é ser capaz de atravessar tranquilamente oscilações desiguais de renda.

Conseguir superar a vaidade que envolve o simbolismo viril da moeda e a culpa (carregada nos ombros ou jogada na cara) do fracasso. Doeria menos se os nossos egos fossem menos susceptíveis ao julgamento e às associações que fazemos, enquanto provedores majoritários ou beneficiados desempregados. Entre disfarçadas vergonha e soberba.

Uma das benesses do tempo, entre tantas, é sua capacidade de aparar essas arestas, abrandar um pouco o fogo dos nossos egoísmos. Somos pouco a pouco suavizados nas nossas convicções. E é exatamente onde estou, depois de viver um pot-pourri desses lugares, como aquela que dividiu igualmente os gastos, a que sustentou sozinha a casa durante cinco anos difíceis, a que contribuiu menos, a que num ímpeto deixou de trabalhar por um sonho, segura da generosidade do reconhecimento.

(Refletindo sobre cada um desses momentos, reconheço que apenas um deles nos acolheu com maior simpatia, fruto da influência machista que educou a minha geração).

“Na pobreza e na riqueza”, eu sempre ouvi falar, como quem ouve despretensiosamente o óbvio, como se fosse a coisa mais simples. Não é bem assim. A família, depois do amor, é uma pequena empresa, e como sócios, deveríamos aprender desde cedo como gerenciá-la. Porque o futuro não está protegido dentro dos nossos muros, infelizmente, e a nossa paz custa caro.

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