No fundo do armário encontrei aquele papel velho, dobrado, abandonado como se não fosse nada importante. Soterrado embaixo de poeira, meias sem par, amostras de produtos de beleza, coisas que nunca mais usei. No mesmo lugar há dez anos. Desde que o arranquei de sua moldura, da solenidade do seu cargo, num ataque de raiva.
Me pergunto de que maneira esse ato violento -e o esquecimento de tudo o que havia sido colocado naquelas poucas linhas- pode ter contribuído para o desenrolar do nosso enredo. Teríamos conseguido desviar suavemente dos percalços da vida a dois, se o tivéssemos seguido à risca? Ou a fidelidade ao que foi escrito acabaria nos privando da fluidez despretensiosa que até agora conduziu a nossa jornada?
Não existe resposta para esse segredo. Para o que me fez desistir de algo que considerei tão necessário, duas décadas atrás, quando sentamos na mesa de um café para escrever nossos desejos e planos, vivendo ainda sob o deslumbre da paixão, enxergando nada além de flores, fogos, e a ausência dos nossos defeitos.
Minha dúvida agora é saber o que fazer com a minha descoberta. Poderia facilmente desprezar sua existência uma outra vez, devolvê-la para o lugar de onde talvez nunca deveria ter saído, fugir, fingir, como já fiz, procurando soluções para tantos tropeços.
Mas não hoje. Porque a lucidez do meu outro “eu” me convenceu desamassá-la definitivamente. Porque nunca “o pacto” se fez mais urgente, inédito, para quem nos tornamos, tanto tempo depois.
Quanto dela ainda existirá em mim?
Tudo?
Nada?
“Rio de janeiro, agosto de 2001
Para que não haja dúvida sobre as coisas que concordamos agora, que fique registrado aqui o nosso combinado. Para que não seja esquecido ou confundido com o tempo.
- O silêncio do outro nunca poderá ser mal interpretado ou condenado como falta de amor. Nossa necessidade de retiro será respeitada e compreendida, mas não podemos nos tornar indecifráveis- mesmo quando a necessidade de sossego for urgente.
- Que o nosso ciúmes sirva apenas para alimentar a nossa paixão. Não a mate de gula.
- Preservar um certo mistério sobre quem somos, o que pensamos, desejamos. Temos o direito de não precisar nos decifrar, de manter acesa a dúvida.
- Não nos deixar raptar um pelo outro. Seremos sempre dois, mesmo quando nos tornarmos três ou quatro.
- Não supervalorizar datas comemorativas. Que elas possam ser esquecidas sem culpa.
- Que o nosso prazer seja fruto de um empenho compartilhado. Regado igualmente pelas duas partes.
6.1. Não deixar o nosso desejo morrer de sede ou abandono - Escutar o que o outro tem a dizer com a atenção que gostaríamos de receber.
7.1. saber perceber a hora de calar e sentir - Aceitar com calma o contraditório no outro. Existem em nós coisas que nós mesmo não entendemos. Argumentar depois de ouvir.
- Não esquecer nunca o motivo das nossas risadas. Faremos de sua memória o combustível para as épocas secas.
- Confortar a angústia do outro, entendê-la, abraçá-la.
- Esquecer o que não for necessário.
- Lutar até o fim pelo nosso amor.
12.1. Mas se ele acabar( espero que não), prometemos ser fiéis à felicidade do nosso início, romper respeitosamente os nossos laços, guardar- não matar- com carinho, a lembrança dos dias bons.
P e B”
2 comentários
Adorei o texto. Nunca foi tao urgente reVer e revisitaR nossos pactos. ParaBeNs’
parabéns pelo lindo texto Paula. ME tocou na alma.