Leila está sentada ao laptop e escreve. Haviam tomado café tarde, o marido Wolfgang e ela. Dia chuvoso, sábado, ainda tempos de Corona, nenhum compromisso – ficar em casa, o que mais? Assim, nada melhor do que escrever vendo a chuva bater de fininho nas janelas, deixando gotinhas nos vidros parecendo um milhão de minúsculas lentes.
Wolfgang entra no quarto: “Se você se inspirar por estar escrevendo suas histórias eróticas, me chame, estou lá embaixo, na sala. Estou à sua inteira disposição”, ele diz, e seu sorriso mostra desejo. Esta frase a irrita. Leila não está gostando do rumo que as coisas andam levando. Ultimamente Wolfgang está sempre “dando um toque” quando está a fim de fazer sexo. Leila não quer que seja assim. Ela quer que seja ela que decida quando, como e onde. Foi o jeito que inventou, para fazer com que aqueles momentos na cama sejam mais agradáveis para ela. Pois, desejo, há tempos que não sente pelo marido.
“Sim, deixa só eu escrever isso aqui até o fim”, diz ela baixinho e continua sua escrita. Mas, depois das palavras de Wolfgang, tornou-se impossível ficar devidamente concentrada. Ainda tem que ir ao mercado, pois próxima segunda-feira é feriado, precisa comprar algumas coisas que, se já não estão faltando, irão faltar em breve na geladeira. Pensa que vai fazer sexo logo com Wolfgang e dar um jeito de que ele vá às compras. Ele sempre fica mais acessível às suas sugestões depois de transarem. Fecha o laptop, levanta-se e diz para si mesma que é melhor resolver aquilo já, assim sua cabeça fica livre de novo. “Se tem que ser, que seja logo.”
Vai ao quarto de vestir, tira a roupa de ginástica que tinha vestido após o café, na esperança de que a chuva parasse e ela pudesse fazer uma caminhada nórdica com o cachorro. Calça as sandálias de cor nude e salto alto que usou ontem quando foram ao restaurante, pela primeira vez depois de tantos meses de lockdown. Leila adora sapatos de cor nude, alongam as pernas. Ele a elogiou muito na noite anterior, que estava muito bonita, que as sandálias eram lindas e combinavam muito bem com seus pés e seu outfit. Que ela sempre tinha um andar muito elegante e uma postura muito ereta quando de salto alto. “Querida, você é linda!”
Leila escolhe o que vestir para o “show” e resolve cobrir somente os seios. Ela sempre cobre os seios, pelo menos um deles, aquele que ficou feio depois da cirurgia para retirar o câncer da mama. Decide por um bolero preto com detalhe em pele de coelho fake no decote. Pele é sempre sexy. As unhas vermelhas das mãos e dos pés contrastam com sua pele clara e impecável, apesar dos anos. Se observa no espelho e imagina que poderia doravante fotografar os looks que usa para o seu “show”, usando-os como ilustração às suas histórias. Vai pensar mais afundo no caso depois. Agora desce as escadas e vai em direção à sala, onde está Wolfgang, lendo. Antes, perfumou-se. Usou a eau de toilette Shiseido, presente recente do marido.
Wolfgang está sentado no sofá e já sorri quando a porta se abre, havia ouvido os passos de Leila descendo as escadas. Sabia que ela estaria usando saltos. Sabia que ela o estaria buscando para fazer amor. Ela sobe em cima dele, se ajoelha com as pernas abertas sobre seu colo, o beija do jeito que sabe que ele gosta, pega sua mão e o leva escada acima…
Enquanto geme entre os beijos e abraços de Wolfgang, na cama, vai repassando na cabeça tudo o que precisa colocar na listinha para as compras, de modo que Wolfgang não deixe de trazer nada do que precisa para os próximos dias. “Ah, eu poderia fazer aspargos verdes com presunto hoje”, pensa, entre um gemido e outro.
Depois de ter saciado a sede de Wolfgang, Leila veste seu penhoar e propõe que tomem um café, eles gostam de um café à tarde. “Vou fazer panquecas de proteína com açúcar e canela”, diz ela. Leila praticamente nunca come bolo ou coisas parecidas. Prefere proteína à carboidratos e acha que farinhas são veneno para o organismo. Assim, deixa o consumo de tudo o que contêm farinha para dias de festa… Hoje definitivamente não é dia de festa.
Na mesa do café da tarde, Leila sugere muito sutilmente que Wolfgang vá ao supermercado, embora seja esta uma tarefa dela. Afinal, ela teria que se vestir ainda, o que toma sempre algum tempo. Como sempre, Wolfgang tem palavras contraditórias, mas está feliz e satisfeito e acaba por ceder ao charme de Leila. Assim, com a lista de compras na mão, fecha suave a porta da casa atrás de si, rumo ao mercado.
Leila corre escada acima. Deita-se na cama, pega o vibrador elétrico que está sempre debaixo de seu travesseiro, deixa sua fantasia voar livre e goza um gozo profundo, libertador, relaxante. Depois, levanta e arruma a cama desfeita pelos corpos dos dois se amando momentos antes, ajeita o penhoar, os cabelos, abre o laptop e volta a escrever. Escuta mais tarde a porta do apartamento se abrindo – como sempre, Wolfgang assobia baixinho como que avisando que está de volta e Leila pensa: “Vou fingir que não ouvi. Ele que guarde as compras nos seus devidos lugares”, aumenta o som do rádio e deixa as palavras salpicarem soltas da tela negra de seu laptop.
O que leva uma mulher bonita e inteligente, beirando os 60 anos, a viver um casamento onde ela não sente mais prazer em fazer amor com o marido? Não existe dúvida de que Leila o ama, o respeita, gosta de conviver com ele, leva uma vida tranquila e prazerosa. E Leila não está disposta a pagar o preço financeiro e emocional de uma separação. Afinal, uma vida completamente sem problemas é utopia.
Se você continuar lendo sobre as experiencias que Leila teve no passado, (Leila e o início dos prazeres de uma mulher quase madura e Leila e o espelho) vai aos poucos entender por que ela hoje age assim e – quem sabe? – você não vai traçar paralelos com sua vida – ou a de sua melhor amiga, sua tia, sua mãe? Você condena ou consegue entender as atitudes de Leila? Deixa seu comentário ali embaixo, muito me interessa saber o que você pensa.
2 comentários
Olá Sussane,li a sua história e gostei,tem um pouco de mim nela,tenho a mesma idade,fui casada por 35 anos,03 filhos lindos,e depois que descobri a traição do meu marido,comecei a ter nojo dele,não suporta a ideia dele me tocando,fazer sexo com ele,era como se eu estivesse indo para o matadouro. Não aguentei mais e o mandei embora,continuo sozinha,por medo de me envolver com alguém,e sofrer de novo,melhor assim.Abraco.
Obrigada, Rita, pelo seu comentário! Posso entender bem seu nojo e sua atitude de se separar do seu ex-marido. Mas… esse medo de sofrer de novo não é bom. Vamos falar sobre isso? Me contata via Instagram , se quiser! Um beijo!