É crescente o número de mulheres entre 40 e 50 anos que escolhem pela relação com outra mulher. Mulheres que foram casadas com homens e nunca antes nem haviam pensado em se relacionar com outra mulher. Elas não saíram do armário, porque nunca estiveram lá.
Não se trata de mulheres que reprimiram sua homossexualidade por medo do julgamento. Muitas, nunca nem imaginaram que um dia poderiam olhar diferente para outra mulher. Outras, relatam que algumas vezes tiveram uma breve curiosidade ou fantasia por outras mulheres.
A insatisfação com os relacionamentos heterossexuais parece ser um ponto de partida para essa mudança. São muitas as insatisfações que aparecem nesses relatos, como, a falta de uma intimidade mais profunda com o parceiro, solidão a dois, falta de companheirismo, baixa libido, desconfiança, insegurança quanto ao companheirismo em situações difíceis…
Sim, o modelo tradicional de relacionamento entre homens e mulheres não parece estar sendo satisfatório o suficiente. A dificuldade masculina em entrar em contato com suas emoções, e assim estabelecer conexões mais profundas na relação, parece estar em um ponto crítico. Não que a responsabilidade toda seja deles, e nem esse o único fator. Mas é um fator comum nos relatos, mesmo que não exclusivo.
Vamos conhecer algumas histórias? Todos os nomes são fictícios, e os relatos baseados em histórias reais.
Camila, 50 anos, estava casada há 20 anos, o marido, se contentava em manter a relação assistindo TV nas noites aos finais de semana. O sexo era esporádico, e na maioria das vezes sem desejo. A vida se fazia no cotidiano dos cuidados domésticos, trabalho, filhos e nos cuidados com o pai viúvo, e adoecido.
O marido trabalhava em uma empresa local, admirava a dedicação da esposa, mas pouco participava desses cuidados. Tudo sempre igual, como na música do Chico. Tudo poderia parecer normal, mas o morno, o morno… O morno amolece a vida.
Ingrata? Tanta gente sofrendo, e a vida dela tranquila. Nada faltava. Por que se sentia insatisfeita? E no silêncio da noite, entre o sonho e a realidade, sua mente produzia histórias fantásticas, cheias de aventuras sob um moto e romances fulminantes.
Fernanda, 42 anos, sempre teve relações conturbadas, recheadas de paixão, tesão e por vezes uma pitada de violência. Tudo muito intenso. Inquieta, amava as artes e a política. E então encontrou o melhor homem de sua vida, estável, tanto emocionalmente quanto financeiramente. Cuidadoso com a família e todas suas necessidades.
Ele gostava da vida que se repetia todos os dias, todas as semanas… A mesma comida, o mesmo ritual para o sexo, os mesmos amigos. Ela silenciou seus desejos mais profundos, em nome da desejada estabilidade. Mas, desenvolveu uma paixão platônica por uma desconhecida, que encontrava às vezes nos restaurantes que frequentava com o marido.
Fabiana, 38 anos, nunca tinha sonhado em se casar, era mulher livre. Desbravava o mundo, tomada por desejo, coragem e solidão. Nunca desejou a estabilidade, gostava do avesso das tradições. Mas, um dia, a vida criou uma solidão mais profunda do que todas. Escolheu acalentar sua solidão com o calor de um abraço noturno.
Acabou se defrontando com um algoz, voraz em mostrar seu domínio. Ele justificava sua falta de desejo (que não aconteceu gradativamente, mas desde o início da relação), com os quilos a mais que recheavam o corpo de Fabiana, embora fosse ele mesmo obeso, e não ela.
Adriana, 45 anos, se separou do marido. A separação foi tranquila, embora dolorida. Entraram em comum acordo que desejavam novos horizontes. Adriana viveu seu tempo de luto com paciência, fez terapia, foi para praia, procurou apoio das amigas. Estava começando a se sentir pronta para recomeçar.
Aos poucos, Adriana e Cláudia, grandes amigas, começaram a sentir algo de diferente na relação delas, a intimidade parecia ter aumentado assim como o desejo de estarem juntas por mais tempo.
Camila se apaixonou pela cuidadora do pai. Fez da fantasia realidade, mesmo que em uma vida dupla e com seus conflitos por isso.
Fernanda nunca teve coragem de materializar seu desejo por outra mulher, mas o mantinha oculto em seus sonhos silenciosos, para trazer uma faísca de fogo para a vida morna.
Fabiana, cansada da luta cotidiana em se fazer existir, transou com uma amiga da faculdade, que há tempos tentava seduzi-la. Acabou por se separar. Tentou se relacionar com mais algumas mulheres, mas não se sentia suficientemente envolvida para manter uma relação afetiva. Embora desfrutasse do sexo e da companhia dessas mulheres com bastante prazer.
Adriana e Cláudia, reconhecendo essa sintonia especial que cresceu entre as duas, deixaram a relação evoluir. A sexualidade surgiu como uma continuidade do afeto, como uma livre expressão das peles, palavras e do amor. Consolidaram essa relação.
Se antes a mulher se conformava com o sucesso de “manter uma relação” até que a vida os separe, hoje isso tem mudado. Por um lado, o amor romântico dos contos de fadas vem sendo desconstruído. Embora todas as relações sejam bem mais complexas do que o “felizes para sempre”, e não estejam isentas das intempéries da vida, também não estão fadadas ao conformismo do “ruim com ele, pior sem ele”.
E assim, outros horizontes se abrem na expansão da liberdade feminina, incluindo o sexo e afeto com outras mulheres. Trata-se de poder experimentar a sexualidade e os afetos, sem rotular ou definir um comportamento padrão.
Camila, Fernanda e Fabiana estavam insatisfeitas com a relação, ou com o que descobriram da relação. Mas poderiam escolher outro homem, estarem sozinhas… Em algum lugar dentro delas o desejo por outra mulher apareceu, mesmo que nem todas tenham dado vazão ao desejo, ou que para uma isso tenha ficado no campo da fantasia e para outra tenha se resumido a uma aventura, e não a uma mudança de escolha de gênero. Adriana está feliz com Cláudia, e por hora, isso basta.
No entanto, é importante ressaltar, que nem só a insatisfação com as relações héteros influenciam essa mudança. Mas também um contexto histórico que facilita a evolução da sexualidade da mulher madura, e a quebra de estigmas.
Em relação a homossexualidade, sua desconstrução como doença ou desvio de comportamento, é muito recente. E, foi por volta de 1960 que o movimento LGBT (assim chamado na época e hoje com muitas mais siglas), tomou força na luta pelos seus direitos.
A quebra de tabus se deu mais fortemente pelos jovens, revolucionários por natureza. Mas esse foi só o início da jornada, que passou pela tragédia da Aids nos anos 1980, considerada a “peste gay”, estigma que acabou elevando o preconceito e o medo de assumir relações com pessoas do mesmo sexo.
Atualmente, é crescente o número de pessoas a cima dos 50 anos que assumem as relações com pessoas do mesmo sexo. Mesmo os que tiveram uma vida tradicional, com casamento e filhos, podem se reencontrar na maturidade.
Nas mídias, ficção e vida real têm tratado o tema com mais naturalidade, influenciando a mudança social, rompendo os tabus. No Brasil, temos alguns exemplos, como os atores Marco Nanini que com 73 anos assumiu seu casamento de 30 anos com o produtor Fernando Libonati, e o cantor Lulu Santos que aos 68 anos apresentou o namorado depois de ter sido casado por décadas com uma mulher. Daniela Mercury também revelou seu casamento com outra mulher em seu Instagram.
Nesse texto, ainda estou falando de outra possibilidade. Que não significa revelação e nem só redescoberta. Mas a liberdade de escolha, uma sexualidade fluida! A atriz Camila Pitanga namorou a artesã Beatriz Coelho e depois o professor de filosofia Patrick Pessoa, foi criticada e se declarou bissexual para responder aos críticos que queriam que ela se definisse.
Reinaldo Gianecchini sempre despertou curiosidade e boatos sobre sua sexualidade, embora se mantenha reservado sobre o assunto, declarou em entrevista que se considera pansexual, ou seja, livre para se sentir atraído por qualquer pessoa.
Se antes era preciso se definir como heterossexual ou homossexual, hoje um encontro sexual entre duas ou mais pessoas não precisa receber um rótulo e nem determinar que essa será a única forma de viver sua sexualidade.
3 comentários
Vivemos mais e melhor quando podemos escolher, ter liberdade para amar do jeito que quisermos. ❤️????? Parabéns pelo texto. Brilhante e necessário.
Muito importante essa reflexão para que os esteriótipos não sejam alimentados. Gostei do “nunca esteve no armário”. Eh isso!!! Liberdade
Oi, Camila! Bom saber que podemos nos reconstruir sempre, né? Encontrar os os próprios caminhos, livre de estigmas !
Um beijo para você!