Uma vez ou outra me deparo com notícias rápidas e apelativas que aparecem nos e-mails (confesso de antemão que sinto um cansaço mental ao lê-las), por exemplo, “5 dicas para emagrecer” ou “Como ter os lábios daquela cantora famosa”. Dentre as inúmeras fórmulas mágicas que são vendidas por aí, uma realmente me deixou pensativa: “Veja as estrelas do cinema de Hollywood que parecem não envelhecer”. Sim, caros leitores, a mensagem está em ipsis litteris, e é cheia de armadilhas.

Li a matéria, e, curiosamente, tinha mais imagens do que palavras, já que era necessário ver e apreciar o rosto impecável daquelas atrizes de Hollywood. Ocorre-me que, à proporção que via cada um daqueles rostos indefectíveis, eis que surgiu uma suspeita: “há uma ideia subliminar de que é possível driblar o curso natural da vida e, consequentemente, o envelhecimento, declarando-o um inimigo; e proporcionalmente, estimar a juventude como um aliado atrapalhado que, permanecendo na flor da idade, jamais amadurece.” Encerrei a matéria com a impressão de ter descoberto um padrão constante ao longo dos anos, cujo custo para a imagem resultou no que chamei de: o dilema visual de Hollywood.  

Não é uma novidade quando afirmamos que o cinema, desde a sua origem, começou por fabricar e a padronizar sonhos. Em meados do século XIX, a grande tela ofereceu aos espectadores modelos femininos à maneira das figuras mitológicas, desde a propagação de estereótipos de pureza, encarnada na figura de Mary Pickford, até a representação da vamp ou femme-fatale, que tinha como símbolo maior, Theda Bara. A partir daí a indústria cinematográfica entendeu que a projeção de uma estrela poderia ultrapassar a mera atuação, ou seja, a imagem poderia ser distribuída no mercado e consumida com fervor pelos fãs dedicados. Esse período em Hollywood ficou conhecido como star system e muitas das atrizes que conhecemos (Marlene Dietrich, Greta Garbo, Joan Crawford, Ava Gardner, Rita Hayworth entre outras) foram idealizadas com o propósito de serem estrelas que encarnassem uma certa divindade, tanto estética como moral, numa linha constante entre o desejo e a imagem.

A beleza arquetípica tinha as suas exigências: o rosto deveria ser simétrico, sem qualquer falha aparente; os olhos, assim como os de Helena de Troia, capazes de lançar mil navios ao mar, de modo que nessa mitologia moderna, o nascimento da estrela se projetou como um rosto passivo entre inúmeras maquiagens e intervenções cirúrgicas, cujas imperfeições e traços eram encobertos sob a pele divinal de deusas a exalar fertilidade. 

As grandes estrelas não poderiam envelhecer, tendo em vista que a exigência da beleza se sujeitava não ao quadro harmônico do tempo (com seus encantos em cada delineamento), mas a uma modesta fotografia que as emoldurasse em um súbito lampejo juvenil. Eis um dos grandes motivos de suas carreiras terem sido relativamente breves. Em contrapartida, o cenário não era o mesmo para atores como Clark Gable ou Humphrey Bogart, porque diferentemente das atrizes, ter mais idade (entre os homens) significava sinal de maturidade e sedução. A manutenção dessa juvenilidade, à custa de sacrifícios, tem a sua representação fiel nas fotografias da atriz Joan Crawford, feitas por Eve Arnold. 

Durante oito semanas, a fotógrafa acompanhou a rotina da estrela de cinema, revelando um rosto nu em toda a sua geografia humana. A pedido de Joan Crawford, cada etapa da transformação (rituais de massagem, maquiagens, adornos e vestuário impecável) deveria penetrar nas lentes, pois o seu desejo era que o público visse o sacrifício que fazia por eles. Cada período do cinema tem a sua safra de estrelas e, figuras como Joan (com uma luz própria, que transpõe a mera imagem fotografável do rosto), ainda perduram no imaginário coletivo, tornando-se um modelo que, ao se voltar para os espectadores, lhes convoca a uma lição desarquivada pelo tempo: Até os finais felizes cansam! Aliás, até mesmo a beleza permanentemente jovem cansa.

Diferentemente da ideia de “juventude encapsulada”, o que ocorreu durante anos foi uma exigência mercadológica contra o tempo, em que muitas atrizes do cenário hollywoodiano (tomadas pela tristeza) fugiram dos holofotes quando as linhas do rosto começaram a surgir. Atualmente, o cinema começa a ser povoado por “mulheres reais”, porém, as atrizes alegam que ainda há uma dificuldade profissional em envelhecer em Hollywood, sobretudo, porque não há muito espaço para roteiros que priorizem histórias de mulheres mais velhas. 

Se o envelhecimento como processo natural implica maturidade e, Hollywood insiste em exigir de suas atrizes uma juventude permanente, cabe a seguinte reflexão: será que, enquanto a espiral do tempo modifica rostos e brios, só Hollywood não envelhece?

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