Antes de te contar mais sobre a minha vida de mulher adulta no paraíso, achei que você talvez queira saber o porquê de eu ter escolhido justamente Baía Formosa como refúgio, sendo que tão distante de São Paulo, onde eu vivia, e na época uma praia ainda desconhecida. Mas, como já mencionei anteriormente, eu já havia estado em Baía Formosa quando quase adolescente. Foi no ano de 1970, eu estava com dez anos. Meu pai, sempre à procura de um negócio que o deixasse milionário e nessa altura sem emprego, decidiu que exportar lagostas vivas para restaurantes na França seria, finalmente, o seu “pulo do gato”. E, na época, a pesca de lagosta em Baía Formosa era muito produtiva, das melhores do país.

Foi assim que meu pai foi para Baía Formosa, sozinho, para preparar uma situação adequada para toda a família, que iria então posteriormente. Nós, minha mãe e meus três irmãos, ficamos em São João Nepomuceno, Minas Gerais, onde morávamos já há meses “de favor” na casa geminada de uma irmã da minha mãe.

Passaram-se semanas, quando finalmente chegou um telegrama do meu pai: “casa alugada pt condições precárias pt venham imediatamente pt”. Eu pulava de alegria. O semblante da minha mãe era de desapontamento. Nós não entendíamos o porquê da sua tristeza: iríamos ter uma casa nossa, iríamos estar juntos novamente, por que minha mãe tinha lágrimas nos olhos? Então perguntei para ela o que queria dizer “precário”. Ela explicou. Eu a abracei e choramos juntas. Foi uma correria com fazer malas, comprar passagem de ônibus com dinheiro emprestado, e pegar o “Itapemirim” para Natal. Foram mais de 48 horas dentro de um ônibus sem ar-condicionado, um calor imenso, meu irmão pequeno de 2 anos no colo da minha mãe o tempo todo, nem sei se minha mãe dormiu nesses dois dias! Aconteceu tudo nessa viagem: meu irmãozinho teve uma diarreia que não parava, furou o pneu do ônibus, deu problema no motor, horas e horas num calor insuportável parados em algum lugar na BR-101.

Chegamos em Natal tarde da noite, meu pai nos esperava há horas. A saudade era imensa, os abraços muitos. De tanta alegria, eu não pude conter o xixi que escorrera pelas minhas pernas abaixo. Depois da euforia inicial, meus pais conversavam intensamente. Minha mãe puxou para o lado a lona que cobria a carroceria da Chevrolet pick-up vermelha e vimos colchões. Colchões! Isso significava que tínhamos que viajar ainda de Natal à Baia Formosa, pegar 90 km de estrada, montar primeiro as camas, para então podermos nos deitar para dormir! Isso de madrugada, depois de quase três dias sentados num ônibus velho e desconfortável? Uma das pouquíssimas vezes que vi minha mãe se impor contra meu pai. Ela exigiu – sim, teve que “exigir” – que dormíssemos em Natal e seguíssemos viagem somente na manhã seguinte. Fomos todos para uma pensão próxima. “Um quarto para seis, por favor!”

Na manhã seguinte, tomamos a pick-up rumo à Baía Formosa. A uma certa altura da estrada meu pai diz para nós que teríamos que abrir bem os olhos na próxima curva, pois iríamos então ver a paisagem mais linda do mundo.

Baía Formosa! Feche os olhos e imagine: lá embaixo, como se fosse possível tocar com os dedos, uma baía de águas mansas e de um azul turquesa profundo, com barquinhos coloridos a enfeitando, contra um céu anil brilhante e uma brisa como que acarinhando o rosto… Uma linda praia, um paraíso mesmo, uma vila de pescadores desconhecida, nenhum turismo.

Quando chegamos ao povoado, dentro da já conhecida pick-up vermelha do meu pai, os habitantes locais, na maioria pescadores, corriam para as portas e janelas de suas casas e acenavam para nós, dando-nos boas-vindas. Um sentimento lindo que jamais vivi novamente. Mesmo depois de estarmos há algum tempo morando lá, em uma singela casinha de pescador, as pessoas vinham visitar-nos, traziam-nos frutas típicas, peixes, faziam perguntas. Eu me sentia, nos meus 10 anos, querida e aceita. E foi por isso que voltei. E encontrei lá um amor singelo, puro. Eu vou te contar mais sobre ele em breve. Ah! Só para matar sua curiosidade: o “pulo do gato” não vingou. Mas isso é uma outra história.

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43 comentários
  1. Ahhhh minha Baía Formosa! Lugar amado onde tive o privilégio de nascer e crescer (só gratidão). Te conheci lá como minha professora de inglês e fotógrafa das boas. Amando a leitura!
    Grande abraço!

  2. Me Senti Lá, Quando Fiquei Em NATAL No Final Do Ano Passado, por causa da pandemia não saí da casa dos meus tios, quando voltar quero poder explorar e conhecer Baía Formosa. Amo Natal e amei sua história. Conta o resto!!! Bjus

    1. Ariel, que bom que gostou… esse lugar era mágico na “minha” época. Quero voltar para sentir de novo A magia… obrigada por me apoiaR. Um abraço!

  3. Como nÃo se apaIxonar pela sua historia E a fORma como você a conta? Agora fica uma vontade louca de querer ler mais e também De conhecer esse paraíso chamado bahia formosa. Amei as fotos, me fIzeram viajar junto vendo como Era tudo. Beijos

    1. QueridO, muito obrigada por me prestigiar aqui. Fico muito feliz por estar despertando em você essas emoÇões lindas! Semana que vem tem mais! Te passo o link.

  4. Cada pedacinho da sua vida é um acontecimento! Caramba….você tem muita história para contar! Que vida intensa e louca! Tudo junto e misturado. Já pensou em escrever tudo isso num livro? Como já comentaram por aqui suas histórias dariam uma série na Netflix. Curiosa para saber mais! Bj

    1. Fico fEliz por estar gOstAndo, Veronica. Semana qUe vem tem mais. VOce nao conhece ninguem la na netflIx para dar um toque? Eu topo! E, se duvidar, faço a regia! ?

  5. Susanne, você é uma mulher inspiradora! Te conheci no Fika conversas, nem estáVamos na mesma sala, mas olhei pra você e Pensei! Que bacana que ela é! A gnt nunca imagina os perreNgues alheios, a gente sempre acha que a nossa ídala vem pronta! Muito bacana e altruísta da sua parte DIVIDIR coNosco a sua hIstÓria! Parabéns! ❤️

      1. só pra dizer que também fui acolhido com carinho em Baía Formosa, hoje tenho MINHA residência lá, trabalho em Natal onde passo a semana, não vejo a hora de me aposentar e voltar pra viver lá o mais breve possível. A cidade não tem mais aquele ar de vilarejo a expansão imobiliária também chegou por lá, ainda assim a cidade tem uma energia que deixa a vida bem mais leve, adorei seu relato.

  6. Olá Susane, interessante sua história de vida… perceber que o destino nós guia para evoluir sEMPRE … Das dificuldades foram feitas oportunidades, não é mesmo? Saldo positivo. Sua saga é incrível. Humana e cheia de vida. Parabéns ???
    Victor Cosmo , Campinas SP

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