Meu nome é Carla e sou uma mulher trans. Minha história é longa, mas desde já posso dizer a vocês que, ao revelar minha transição de gênero à sociedade, tentei continuar na mesma profissão, na mesma família e com os mesmos amigos.

Eu sabia que essa missão prometia ser inglória e me traria muitos obstáculos. Melhor seria o meu plano inicial de assumir outra vida, em outro lugar, em um emprego diferente.

Mas, por um misto de esperança e preguiça, decidi continuar na minha vida. Preguiça sim, pois seria muito difícil e custoso um novo início, mas também trazia comigo a esperança de que o mundo poderia ser mais acolhedor para pessoas como eu.

Realmente, nada das minhas expectativas se confirmou. Após um início que me parecia acolhedor, passei a sentir todo o peso do preconceito e da discriminação.

Tornei-me indesejável em diversos ambientes. Reuniões nas quais pessoas me cumprimentavam na entrada, mas me evitavam na saída, provavelmente alertadas sobre quem eu era. E-mails e mensagens com conteúdos ameaçadores invadiam a caixa de entrada de meu computador. Olhares raivosos me perseguiam nas ruas.

Passei a sentir um crescente sentimento de solidão.

Eu tive um aprendizado. Para boa parte das gentes, eu não era mais considerada pessoa. Transformara-me em um ser abjeto que deveria desaparecer para que a cidade se mantivesse organizada. Tornara-me um ruído desafinado na sinfonia que tocava ao fundo. Tinham vergonha de mim. Estava eternamente marcada pelo estigma de ousar ser diferente em um meio que odeia a diferença.

Mas fui além. Percebi que essa minha dor aguda da exclusão poderia ser semelhante à que um negro sente ao ser expulso de seu emprego; à que uma mulher violentada chora por não acreditarem em sua história; ou à que um indígena percebe ao ver inferiorizada sua cultura.

Por que não vivenciei antes esse sentimento de empatia que agora tenho por essas pessoas? Por que necessitei sofrer para finalmente entender a dor do outro?

É por esse meu sentimento de falta que comecei a contar histórias. Espero que façam sentido para vocês. Elas serão sobre o turbilhão no qual minha vida se transformou a partir de quando decidi me tornar eu mesma.

Serão relatos sobre experiências pessoais, sob uma perspectiva que permitirá entender os vários sentidos do trecho da música “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é…”, que eu adoro escutar na voz de Caetano.

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