Eu nunca vi tamanha amizade como a da minha irmã com Ela. Nós três nos conhecemos em uma escola de música, em São Paulo, quando éramos adolescentes. Deu uma liga absurda nas duas. Até o instrumento escolhido era o mesmo. Ambas se formaram em violão clássico e eu, em piano. Mesmo tendo características diferentes, foram ficando cada vez mais próximas. Elas riam o tempo todo. Eram rápidas nas piadas, se entendiam e se ajudavam. Até as nossas famílias acabaram ficando amigas.
Na época da faculdade, as amigas se afastaram um pouco: Ela entrou no curso de Farmácia e minha irmã em Engenharia. Outras pessoas começaram a entrar na vida delas. Ela namorou. Minha irmã também. Não demorou muito para circularem em áreas diferentes. Vamos lembrar que na época, não tinha whatsapp para encurtar a distância . Pouco a pouco, foram se vendo cada vez menos.
Tempos mais tarde, em 1992, Ela foi ao casamento da minha irmã. Depois de anos, foi a primeira vez que se encontraram. Nunca vou esquecer da alegria das duas ao se abraçarem no momento dos cumprimentos aos noivos. Uma abraço cheio de flashback. Como choraram! Essa cena está registrada na fita vhs. A partir desse reencontro, as duas grandes amigas perceberam que não podiam mais se largar e nem desperdiçar o tempo. Mesmo tendo vidas profissionais bem atribuladas, nada as impedia de manter contato. De tão legal que era, Ela se dava muito bem com o marido da minha irmã.
Ela é a pessoa mais “gostável” que eu conheci. Prestativa, alegre, atenciosa e amiga de todas as horas.
Todas, mesmo.
Em 1995, minha irmã foi diagnosticada com um tumor ósseo raro, chamado osteossarcoma. Ela e o marido da minha irmã, estavam juntos quando tiveram a triste notícia. Foi uma paulada para todos nós.
Foi Ela quem consolou a família. E tem mais. Estudava e traduzia a parte técnica da doença para nós. Além da quimioterapia, seriam necessárias muitas cirurgias. No total, sete. Foi Ela quem recrutou os melhores especialistas: ortopedista, cabeça e pescoço, neurologista, anestesistas, oncologistas e grandes cirurgiões.
Apesar de tudo, sempre o otimismo imperava na nossa família. Os dias passavam e as chances de cura iam diminuindo, assim como os movimentos do corpo da minha irmã. Alternávamos os turnos em dormindo em hospitais e clínicas. Ela trocava os dias de descanso, férias, licença prêmio para ficar ao nosso acompanhar minha irmã. “Sou amiga ou não sou?” sempre repetia.
Até “carteirada” com o crachá do hospital em que era funcionária ela dava. Tudo para estar no centro cirúrgico e acompanhar todos os procedimentos. Passava horas ao lado da equipe fazendo perguntas e trazendo as respostas para nós. De tanta dedicação, nem se lembrava de comer. Nunca a vi tão magra!
Cadeira de rodas, esteiras de fisioterapia e cama hospitalar dominaram o espaço da casa dos meus pais, para onde minha irmã teve que retornar e deixar o apartamento dela e do marido. Ela batia o ponto no nosso endereço. Chegava exausta do trabalho, sempre com algumas surpresinha para minha irmã, puxava uma cadeira ao lado da cama e passava horas em companhia da nossa família e da amiga.
Minha irmã estava ficando tetraplégica. As dores eram terríveis. E ela estava lá. Ajudava no banho e nas necessidades mais íntimas, as quais minha irmã já não controlava. Ai de alguém falasse para Ela ir descansar. Mais uma vez, soltava “Sou amiga ou não sou?”. E nesses piores momentos, nos alertava: “Sei que vocês fariam isso por mim”.
Era bonito de ver as duas conversando, da maneira que dava. Fazia até a minha irmã rir. Rezava com ela e se pudesse ( e até quis) daria a vida por ela.
Até que minha irmã não resistiu. Milene Zakzuk lutou contra a doença por dois anos.
Faleceu em no dia 03/05/1997, aos 30 anos de idade.
Marla Madeira – Ela – é a melhor amiga que alguém pode ter.
Nenhum dia sequer, deixou de demonstrar sua estrondosa capacidade em ser amiga.
9 comentários
O que seria de nós sem amigos como Marla? Lendo teu texto voltei no tempo em que felizmente tive amigos assim quando meu filho adoeceu. Eu tive amigos assim é Fernando, meu filho, com sua imensa capacidade de fazer amigos e reunir pessoas trouxe arrebanhou muita gente bacana que esteve com ele nos melhores e piores momentos da vida dele. Amigos são tudo. Amei e me emocionei com teu texto .
Lindo demais Ma. A marla é um ser iluminado, assim como a milene. bjs
Perdi um irmao 10 dias depois dE minha filha nascer, fui levar minha mae e meu marido para embarcarem de manAus para sao paulo com o marido de uma amIga, eu Na pude iR, ao retornar, ele paroU na casa dele e disse vc vai ficar aqui Ate seu marido voltar, quando entrei ate o berco de minha Bb ja estava la, as outras amugas se revezavam Com as roupas e comidas extras. É maravilhoso ter pessoas assim na nossa vida ???????????????????
Puxa! Quantas perdAs! Eu, alÉm da milene, perdi o amauri, meu irmAo. Ja pensou para os meus pais? Mas que bom Que temos amigos! Um Beijo pra voCÊ!
Que presente sua irma teve em sua curta vida, Que PRIVILÉGIO!
Que AMIZADE linda. Se me perguntassem ACredito que tenho uma amiga que o faria.
Parabéns pelo texto. Muito a se pensar.
Fico feliz Que gostou e com o COMENTÁRIO! Um beijo
MAÍSA VOCÊ me fez refletir nesse tema, chorei sim, seu texto É bem real. Posso imaginar sua EMOÇÃO ao escreve-lo…
tenho certeza que SERÁ o primeiro de muitos que VIRÃO.
PARABÉNS!!!
Chorei lendo…