O Janeiro Branco foi criado para conscientizar, combater tabus e mudar paradigmas que envolvem as questões da saúde mental. Nos fazer refletir sobre os preconceitos que herdamos dentro de uma sociedade historicamente segregadora, egoísta, que sempre torceu o nariz para as diversidades, inclusive da nossa psique.
A química do nosso cérebro deveria ser tratada respeitosamente como qualquer outro detalhe desse mesmo corpo que é capaz de tantas emoções, força, ideias e dons. E o equilíbrio e o desequilíbrio, celebrados igualmente, apesar das tentativas hipócritas que nos fizeram acreditar na perfeição de apenas um deles.
Qual será a nossa parcela de culpa?
O seu olhar é humano?
Quem você não inclui no seu círculo casto de amizades?
Quais são os verdadeiros critérios que usamos para sobreviver socialmente? Seriam eles justos?
O diagnóstico de qualquer desordem psiquiátrica -embora tão comum quanto o diabetes ou o hipotireoidismo- ainda hoje vem carregado de estigmas e boas doses de sofrimento. Aquelas que nós enxergamos e as que mal percebemos. Infelizmente. Não fomos instruídos para a compaixão altruísta.
E o meu aprendizado sobre a extensão da antipatia ao que é referido como “não normativo”, nasceu com a descoberta pouco heroica da minha coragem. Eu, que imaginava inaugurar a maturidade deixando para trás tudo o que me oprimiu no passado, enterrando a minha própria história de ansiedade, medo e depressão, meus tiques, as ditas estranhezas que tentei esconder por tantos anos, precisaria agora, novamente, confrontar a genética dos meus neurotransmissores. Exposta, frente a frente com o lado real da maternidade, testando o poder do meu afeto, reunindo pelo caminho o que se despedaçava em mim: uma filha com síndrome de Tourette, enfrentando, aos sete anos, o lado B da humanidade.
Mas a transformação, quando inevitável, empurra a gente para um lugar distante daquele que estávamos antes de tudo vir à tona. Enxagua com facilidade os sonhos que havíamos desenhado colorido, tão frágeis são as nossas ilusões, recolocando sabiamente a nossa felicidade num lugar melhor.
Quando conseguirmos transpor, enfim, as consequências danosas da nossa ignorância, talvez não precisemos mais sacudir em desespero essas bandeiras. Quem sabe um dia. Pouco a pouco a humanidade avança, e se pensarmos que alguns séculos atrás éramos queimados na fogueira, ou internados em clínicas como a do Hospital Salpêtrière (sanatório retratado no filme “Baile das Loucas- Les Bal des Folles” -dica aqui no site em outubro de 2021– onde George Gilles de La Tourette foi interno de Charcot e ao descrever casos de tiques múltiplos, copralia e ecolalia, foi premiado pela brilhante contribuição que lhe conferiu o epônimo do seu nome à doença dos tiques), viver os dias atuais é sem dúvida um alívio. Nos faz sonhar com um futuro mais generoso. Veja mais sugestões a seguir:
Obs: a Síndrome de Tourette é uma desordem neuro-psiquiátrica complexa, geralmente diagnosticada clinicamente na infância por um de seus sinais, o tique persistente- motor e vocal. Sua causa ainda é desconhecida, mas já se sabe que fatores genéticos e ambientais desempenham um importante papel na sua etiologia. Normalmente vem acompanhada por outras comorbidades -como a ansiedade, o TOC, déficit de atenção, hiperatividade, disgrafia, sensibilidade sensorial, copralia (proferir involuntariamente palavras obscenas ou comentários inadadequados), ataques de raiva– o que acaba causando considerável comprometimento psicológico e social.
Não existe cura para ST. Ainda. Mas alguns medicamentos e terapias comportamentais (como a CBIT- comprehensive behavioral intervention for tics) ajudam muito. E amor, imprescindivelmente vital.
(Bibliografia: Brazilian Journal of Psychiatry)
3 comentários
Adorei teu texto, Paula!
Dou-me a liberdade de tomar as palavras da Deva como minhas. Exatamente assim, Deva! Maravilhosa escrita, Paula. Obrigada às duas.
Quanta delicadeza para falar de um tema pouco conhecido e complexo – como tudo que diz respeito ao ser humano. É impressionante como as mães conseguem falar dos assuntos difíceis e que as tocam profundamente com propriedade, profundidade e humanidade. Profundamente agradecida por me informar sobre a síndrome. Somos todos diversos e potencialmente propensos ao amor e a caminhar no sentido oposto do lado B da humanidade. Exercitemos com textos esclarecedores e amorosos, como este.