Escrevíamos o ano de 1988 e eu estava então com 28 anos. Foi quando decidi virar a prima bicho-grilo. Na época, eu era responsável pelo setor europeu em um escritório em São Paulo, representante de grandes magazines internacionais. Tinha três secretárias poliglotas a minha disposição. Morava sozinha num apartamento chique e enorme no Morumbi, dirigia um Fiat Prêmio vermelho novinho, configurado especialmente para mim, usava seda e linho, viajava a negócios pela Europa e América do Sul, melhores hotéis, excelentes restaurantes, motoristas uniformizados de fábricas me buscavam nos aeroportos e me abriam a porta dos Mercedes-Benz… “Bom dia, madame.” Enfim: era o que chamavam de mulher bem-sucedida em início de carreira.

Mas: infeliz. Adorava meu trabalho, mas trabalhava demais. Quantas vezes, de madrugada, ainda no escritório, o meu chefe me ligava para passar algum detalhe que havia discutido naquele exato momento com um cliente gringo que ele havia levado em algum bar com mulheres… Eu não tinha amigos. Namorado? Nem pensar.

De vez em quando eu me mandava para Ubatuba e passava um fim de semana sozinha numa barraca em algum camping, conhecia e amava os bad boys nas areias, curtia meus biquínis e as minhas praias. Sentia que alguma coisa estava cozinhando dentro de mim. E um dia explodiu. Pedi demissão do melhor job que já tive na vida! Fim da vida de prima yuppie.

Minhas colegas de trabalho herdaram meus terninhos de linho e vestidos de seda. Meus móveis dei de presente para conhecidos ou minha mãe. Enchi meu carro com as minhas coisas mais queridas, colei nele um adesivo enorme da Hang Loose, comprei fitas cassete da Sade, Bruce Springsteen, Cindy Lauper, Pink Floyd. E não posso deixar de mencionar minha adorada máquina fotográfica e muitos filmes de 36 poses. Queria fotografar tudo e mais um pouco. Sequer poderia imaginar que essa máquina fotográfica iria um dia ser minha salvação. Mas isso eu conto de uma outra vez.

Mandei fazer uma prancha de surf para o meu novo amor, um surfista lindo viciado em maconha que havia conhecido nas últimas férias no lugar para onde iria agora. Assim que esta ficou pronta, peguei a estrada. Destino: Baía Formosa, uma praia paradisíaca no Rio Grande do Norte, há 3.000 km de São Paulo, onde eu já havia morado por um tempo quando adolescente com minha família – mas isso também é um episódio à parte. Fui sozinha de carro do Sul ao Nordeste do Brasil. Solidão? Nenhuma. Medo? Nunca! Mas um coração pulando no peito de tanta felicidade.

Foram três dias e duas noites. Amei cada segundo, nunca a viagem ficou monótona. Nem mesmo quando a estrada da BR-101 parecia infinita. Cantava alto junto com a Cindy “Girls Just Wanna Have Fun” ou com a Barbra Streisand “I Am a Woman in Love”. E pisava no acelerador!

Com a prancha de surf “custom made” amarrada no teto do carro, eu não podia deixar meu carro estacionado em qualquer lugar, longe da minha vista, com medo de que gatunos a roubassem. Principalmente à noite. A solução era dormir em motéis, pois nesses eu entrava com o carro, que ficava na garagem privada do apartamento. Mas o mais difícil foi convencer os porteiros a me deixar entrar. Mulher? Sozinha? “O que é isso, meu?” Precisei usar de muita lábia e gorjeta. Mas consegui.

Cheguei à Rua Dr. Manoel Francisco de Melo, assim se chama a primeira rua na entrada de Baía Formosa. Coração aos pulos. Fiquei realmente muito surpresa ao ver o “Carioca” assim era conhecido o Marco-Antônio, meu adorável surfista maconheiro, me esperando sentado já há horas à beira da calçada. (Seu nome e apelido eu troquei aqui, mas se ele chegar um dia a ler isso, vai se reconhecer…) Com uma camisa florida, bermuda surf, sandálias Havaianas. Muito bronzeado, sua cabeleira loura parecia raios de sol.

Paraíso

Quando ele viu meu carro, veio correndo como uma criança em minha direção. Tentou abrir a porta com o carro ainda em movimento. Eu freio, pulo do carro, ele me pega no colo, me roda no ar, me beija e quase me sufoca com abraços apertados. Seu perfume jamais esquecerei. Seu sorriso de homem-menino mostrava dentes brancos como marfim, contrastando com sua pele escura queimada do sol. Esse sorriso iria ser muitas vezes bálsamo para minha alma daqui para frente.

Descemos de carro até a casinha na praia, que de agora em diante seria a nossa. Bem pé-na-areia mesmo. Tanto, que em dias de lua-cheia e maré alta, a água do mar entrava pela sala adentro. Casinha branca, Carioca havia pintado portas e janelas num azul turquesa, a cama com lençóis frescos e cheirosos, a mesa posta e enfeitada com um buquê de jasmim manga branco exalando um odor doce quase forte demais.

Ele pula e grita como uma criança ao desembrulhar a sua nova prancha de surf. Após jantar sua deliciosa salada de batatas e um cangulo (peixe típico da região) frito, fumamos maconha e fIzemos amor durante horas. Estou no paraíso.

Mas vou ter que te decepcionar porque tenho que te contar uma coisa:

Em Baía Formosa tive que aprender que nem o paraíso é perfeito ou sinônimo de felicidade. Mas isso é assunto para uma outra vez. Vai querer saber?

(Você pode deixar sua resposta no espaço para comentários logo ali embaixo.)

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65 comentários
  1. Já conhecia um pouco dessa história, Mas toda vez que a escuto fico deslumbrado, imaginando os momentos e admirando a sua força pra sair da zona de conforto! ansioso para o próximo !!!!!!

    1. pensar, pensei. é o meu maior sonho. mas… será que tenho “cacife” para tanto? muito bom ter voce como leitora. obrigada!

    1. Fico feliz que gostou! Obrigada pelo carinho… Você pode se inscrever na Newsletter, assim não perde nada do excelente conteúdo desse site maravilhoso!

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  2. Uau!!!!! Quanta história bacana! Mulher de cabeça aberta! Tive uma outra aluna assim como você, mas com uns 20 anos a mais! Mesmo depois de ter acabado o curso Continuamos amigas! Espero que isso TAMBÉM aconteça conosco. Bjs

    1. Com certeza! Já te gosto muito. Estamos unidas. E semana que vem tem mais história por aqui. Vou te passar o link então. Obrigada pelo carinho, querida.

    1. Deve ser porisso que te gosto tanto, mesmo sem te conhecer pessoalmente. Que bom! Fico feliz que esteja gostando da minha história! Semana que vem teM mais. Te passo o link… obrigada pelo carinho…

    1. Uau que top? eu já estou ansiosa para saber mais sobre ESSAS aventuras. E não esqueça de nos contar sobre a câmera fotográfica Rsrs.

    2. Fico feliz que gostou! Obrigada pelo carinho… Você pode se inscrever na Newsletter, assim não perde nada do excelente conteúdo desse site maravilhoso!

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    1. Que bom que gostou! Semana que vem tem mais. Aí você vai ficar sabendo… Se você se inscrever aqui no Newsletter, não perde um episódio. Obrigada pelo carinho!

  3. Aí que delicia! Quem nunca fez uma loucura assim não sabe o que é paixão, ainda mais na Praia!! Louca pra saber Mais!! Bjus querida

    1. Fico feliz que gostou! Obrigada pelo carinho… Você pode se inscrever na Newsletter, assim não perde nada do excelente conteúdo desse site maravilhoso!

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