E eu estava amando minha nova vida lá no paraíso, junto com o Carioca! Nós acordávamos quando não tínhamos mais sono, comíamos quando tínhamos fome, fazíamos amor sempre que dava vontade, e dava vontade com muita frequência! Caminhávamos horas e quilômetros pela praia, às vezes até Pipa, uma praia hippie e lindíssima, ao norte de Baía Formosa, naquela época já bem turística e hoje um lugar onde estrelas e estrelinhas do jet-set brasileiro se encontram. Às vezes íamos rumo ao Sul, para a praia do Sagi, onde o Rio Guajú divide o Rio Grande do Norte da Paraíba, naquela época ainda somente habitada por poucos índios locais, os Sagi-Trabanda ou Potiguaras, como gostavam de ser chamados. Ou ficávamos na praia da Cacimba, em frente a nossa casa, observando as ondas, o nascer ou o pôr-do-sol, namorando.

Sonhares

Muitas vezes eu ficava sentada horas nas pedras do Pontal, o pico de surf local, fotografando o Carioca pegando suas ondas. Do meu lado, com muita frequência, o João.

João era um menino de uns 11 anos, que, vítima de poliomielite, tinha uma perna mais curta do que a outra e um dos pés virados para trás. Como consequência, ele não podia surfar em pé na prancha, mas no surf de peito era uma fera! Eu havia comprado para mim uma prancha de bodyboard, mas como logo vi que não era esse o meu esporte, dei-a de presente para João. Ele era o filho mais novo da viúva Dona Edmunda, ela gostava muito de tomar uma cachaça, e quando o fazia ficava muito violenta. Assim, João achou aconchego em nossa companhia, vinha de manhã para nossa casa e só ia embora à noite.

João tinha muita vergonha de comer conosco e nós tínhamos sempre que implorar que o fizesse, pois sabíamos que na casa dele talvez não houvesse o que comer… Interessante era observar que ele sempre percebia quando queríamos fazer amor e ia de fininho para a varanda da casa, ali ficando até que nós saíssemos do quarto, depois de termos saciado nossa sede de amar.

E tinha a Soninha, uma meninota de 13 anos, que resolveu espontaneamente que queria ser minha “empregada”. Embora eu nem tivesse cogitado a ideia de ter alguma ajuda para cuidar daquela casinha tão modesta e pequena! Ela não faria por dinheiro, mas queria poder estar perto de mim, lavar e passar minhas roupas, queria escolher o que eu vestiria à tarde, depois do banho, quando saíamos da praia.

Ela realmente estendia em cima da minha cama a roupa recém passada e perfumada, como se eu estive dentro dela, combinando as peças que eu então usaria, ao seu gosto. Na maioria das vezes eu fazia a vontade dela, me fazia feliz ver a sua alegria! Soninha tinha um prazer enorme em cuidar das minhas roupas, meus bustiês, blusinhas, shorts, saias de cigana e vestidinhos de algodão. Era um amor de pessoa! Cantava e dançava enquanto varria o chão. E, é claro, virou minha “filha”! Como eu gostava dessa menina! E a enchia de mimos, além de não deixar que ela trabalhasse de graça, obviamente.

E tinha também a maconha. Você já fez sexo depois de ter fumado um baseado? Espero que sim. Porque não existe coisa mais gostosa e transcendente, pelo menos assim foi para mim. Mas eu só gostava e só fumava uma baga realmente antes de fazer amor. E isso nem todas as vezes. Ao contrário do Carioca, que fumava para acordar direito de amanhã, para pegar onda, para fazer ginástica, para ir pescar, para ir caminhar, para cozinhar o jantar, numa roda de conversa com amigos ou outros surfistas, para fazer amor e para dormir. Ele fumava porque o sol estava forte ou a chuva fria. Ou seja, sempre.

Até que chegou o dia em que a sua maconha acabou.

“Eu tenho um brô em Natal, ele tem coisa boa, a gente vai lá visitá-lo… Deixei-me convencer. E lá vamos nós de Fiat Prêmio vermelho em direção a Natal. Lá chegando, passamos primeiro no Bradesco, no meu banco, claro – pois o Carioca não tinha conta em banco – tiramos o dinheiro necessário e seguimos para a casa do “brô”. Eu não estava à vontade nessa situação. Mas fui.

No momento em que eu vi o tal do “brô” fiquei menos à vontade ainda. Tinha uma aparência acabada e malcuidada, aparentava ser de má índole. Morava num lugar feio, sujo. Odiei estar ali. Mas estava. Quando o Carioca disse que os dois fumariam ainda o “cachimbo da paz” antes de irmos embora, eu me recusei. Fiz questão de que saíssemos dali imediatamente.

O Carioca dirigia, mas sua carteira de motorista já estava vencida há muito tempo. Por isto, pouco antes do local onde ficava a sede da polícia rodoviária, nós paramos o carro e trocamos de lugar. Eu estaria no volante quando passássemos pelo controle. Fomos parados, óbvio, mas Carioca era sempre muito simpático e tinha uma conversa tão boa, que os policiais apenas nos desejaram uma boa viagem.

Alguns quilômetros após o controle, paramos o carro na beira da estrada, Carioca acendeu então o cigarrinho que havia já preparado especialmente para esse momento, eu peguei o volante de novo e o resto da viagem ele “viajava” no efeito da maconha. E a conversa rolava solta, era tão boa, a música tão gostosa, de Pink Floyd a Sade, passando por Caetano Veloso – ah, que gostoso! Eu, apesar de não ter fumado, fiquei também num estado de graça. Talvez devido à adrenalina – era tudo muito excitante. Completamente diferente da minha vida anterior de yuppie em São Paulo.

Ao chegar em casa, a nossa varanda já estava cheia de surfistas amigos, esperando nossa chegada. Nos dias que se seguiram era um entra e sai lá em casa que não acabava mais. E enquanto ele tinha maconha, o Carioca tinha muitos amigos! Até acabar a erva. Então as visitas ficavam raras. E o humor do Carioca mudava. Ficava insuportável. Hora de viajar de novo e fazer uma visitinha ao “brô” de Natal. Fizemos isso muitas vezes. E o vício era sustentado com o meu dinheiro, a conta do banco ficando cada vez mais vazia.

Viajamos muito, fomos para o Sul e para o Norte do Nordeste. Lindas praias, muitas aventuras. Mas isso eu vou te contar de uma próxima vez. Se quiser, é claro!

(Você pode me dizer se quer mais, se gostou deste texto, ou algum outro comentário. Ali embaixo tem um lugar especial para você escrever. E eu respondo sempre. Se voltar e olhar, vai poder ler minha resposta.)

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39 comentários
  1. Quero saber de tudo. Maravilhoda narrativa. Voce vai falando os lugares e eu vou lá no google maps só para ter o gostinho de ver onde fica.

    Beijos ate a próxima

    1. Ah! Que maravilha! É uma regiao lindíssima! Vá lá um dia com seu amor, sentir a magia… obrigada por me ler, querido!

  2. Gosto de ler ouvindo música e, curiosamente, estava ouvindo Pink Floyd. Imagino as cenas, misturando um “on the road” com o surf, mas, de imediato, me veio as músicas do The Beach Boys como trilha sonora.
    Ansiosa para as próximas histórias!

  3. Deve ter sido muito intenso tudo isso,Uauuuu!!!pipa continua linda,amo passear a noite pelas ruas de pipa mas já tem quase tem quase três anos que não vou lá, na última vez dancei tanta rUMBA ….quero o próximo capítulo ????

  4. Narrativa espetacular. SOU de Baia Formosa e lembro-me bem de ti. PESSOA fantástica. Foste minha PROFESSORA e vizinha da minha avó na tal casa.

  5. Sua narrativa lembra as histórias de sherazade das mil e uma noites e, lógico que Quero saber o restante.
    Aproveito o comentário anteror e faço a mesma pergunta: o que aconteceu com o Carioca? A resposta virá nos próximos capítulos?

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